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DRAUZIO VARELLA
Fórmulas milagrosas
Adquira o corpo que pediu
a Deus sem nenhum esforço:
apenas duas cápsulas por dia! Popularíssimas no Brasil -terceiro
consumidor no ranking mundial-, as fórmulas magistrais
para emagrecimento atendem a
esse apelo mágico.
O que são essas fórmulas, prescritas por médicos com diploma
na parede, para serem aviadas
em farmácias de manipulação legalmente autorizadas a fazê-lo,
mas também vendidas na clandestinidade e até pela internet?
Fórmulas para emagrecer constituem exemplos didáticos de polifarmácia. A fórmula típica contém de cinco a 15 componentes:
uma substância "tipo-anfetamina" (fenproporex e dietilpropiona
são as mais empregadas), tranqüilizantes benzodiazepínicos
(geralmente diazepan ou clordiazepóxido), agentes tireoidianos
(triiodotironina, tetraiodotironina, triac, triatec), diuréticos (furosemida, hidroclortiazida etc.),
agentes gastrointestinais (cimetidina, fenolftaleína, dimeticona
etc.), uma variedade de produtos
vegetais (cáscara sagrada, cavalinha, Fucus vesiculosus e outros
representantes da exuberante
biodiversidade brasileira), antidepressivos como a fluoxetina e a
sertralina, vitaminas, cloreto de
potássio, propanolol e o que mais
a imaginação for capaz de criar.
Se a boa prática médica recomenda cautela ao associar duas
drogas, pela dificuldade em prever interações medicamentosas,
como justificar essas prescrições
mirabolantes?
Elas se baseiam numa lógica
que os estudantes de medicina jocosamente apelidaram de "princípio da cascata", segundo o qual
sempre há de existir um remédio
para combater os males provocados por outro.
Drogas do "tipo-anfetamina"
como o fenproporex e a dietilpropiona agem no sistema nervoso
central provocando diminuição
do apetite. Mas, ao lado do efeito
anorexígeno, provocam agitação
psicomotora, insônia, irritação,
nervosismo, ansiedade, tremores,
excitação, boca seca, gosto metálico, náuseas, alterações do hábito
intestinal. Para combatê-los, a
fórmula contém os tranqüilizantes diazepínicos, laxantes, antidepressivos, antiácidos etc.
Outra peculiaridade dessas
prescrições é a generosidade com
que são incluídos hormônios tireoidianos sem qualquer indicação clínica ou laboratorial, só sob
o pretexto ridículo de fazer trabalhar "tireóides preguiçosas". Doses maciças desses hormônios, como as utilizadas em tais ocasiões,
conduzem ao hipertireoidismo,
doença em que alguns dos sintomas se somam e se confundem
com os efeitos indesejáveis dos
anorexígenos (agitação, irritabilidade, tremores, taquicardia, alterações intestinais), além de causar perda de massa muscular, osteoporose e queda de cabelo, entre
outros inconvenientes.
O trágico é que os incautos compradores dessas cápsulas pela internet ou diretamente dos traficantes não têm a menor idéia das
drogas nelas contidas: não existe
prescrição nem bula, e os rótulos
trazem nomes fantasiosos como
Emagrecedor Número 2 ou Emagrecedor Natural.
Nem por isso os clientes que recebem prescrições das mãos dos
médicos ficam em situação mais
confortável. Estudo conduzido
pela doutora Solange Nappo e por
colaboradores da USP mostrou
que, em 107 consultas com prescrição de fórmulas, apenas um
médico falou da existência de
efeitos colaterais, somente cinco
advertiram para não aumentar
as doses prescritas, e sete, para
evitar gravidez. Nenhum deles sequer mencionou que anfetaminas
e barbitúricos causam dependência química.
Já em 1983 um boletim da Organização Mundial da Saúde advertia: "A indução de dependência por barbitúricos está claramente demonstrada (...) Essas
drogas devem ser reservadas para
pacientes que sofrem de ansiedade clínica bem definida". Bastam
três meses de uso (às vezes, menos) para que sejam criadas dependência química e síndrome de
abstinência à retirada abrupta.
Em relação às drogas do "tipo-anfetamina", a dependência leva
à tolerância e, conseqüentemente,
ao aumento de doses por conta
própria. Aí reside o perigo maior:
ao dobrar ou triplicar o número
de cápsulas diárias, o usuário duplicará ou triplicará as doses de
hormônio tireoidiano, diurético,
benzodiazepínico, antidepressivo,
laxante e o diabo que houver, correndo o risco de perder a vida.
Por essa razão, a Anvisa proibiu
a prescrição de anorexígenos como parte de formulações magistrais. Mas o que fazem aqueles interessados em burlar a lei? Prescrevem o anorexígeno separadamente e todos os demais componentes numa mesma fórmula; depois, mandam tomar uma cápsula de cada um, duas vezes ao dia.
O que faz a fama de determinada fórmula é o fato de os incautos
suporem que a composição foi criteriosamente dosada para seus
casos e de conhecerem alguém
que perdeu peso ao tomá-la. De
fato, há pessoas que emagrecem
até dez quilos no primeiro mês de
tratamento, mas, daí em diante, a
perda fica progressivamente lenta, até que o ponteiro da balança
pára de se mover e retoma a caminhada inexorável para o alto.
Com a auto-estima rebaixada e
achacados por uma constelação
de efeitos colaterais, os usuários,
então, interrompem o tratamento
e entram em crise de abstinência
pela falta da anfetamina e do
benzodiazepínico: sonolência,
apatia, fraqueza, depressão, falta
de memória, ideação suicida. A
esses sintomas acrescentam-se os
do hipotireoidismo, porque a tireóide previamente bombardeada pelas doses excessivas de hormônio declara greve por tempo
indeterminado.
Derrotados em seu propósito de
perder peso, os ex-usuários recuperarão num instante os quilos
perdidos e ganharão outros mais
até ouvirem falar na próxima fórmula milagrosa.
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