São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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SÉRIE

TV lança caixa com as quatro temporadas do seriado sobre garotos da favela

"Cidade dos Homens" quebra a monotonia do "padrão Globo"

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Vamos direto ao ponto: "Cidade dos Homens" é uma das melhores produções da teledramaturgia brasileira dos últimos tempos. A caixa de DVDs com as quatro temporadas, que sai agora, é uma boa para quem não viu a série na Globo ou assistiu só a alguns episódios. E para os que acompanharam, gostaram e querem ter bons títulos em casa.
"Cidade dos Homens" marca a história da TV brasileira por algumas razões. A primeira é ter retratado dramaturgicamente a favela com realismo não-sensacionalista. O morro, o tráfico, as armas, a discriminação, tudo estava lá. Mas as câmeras não eram as jornalísticas da notícia-espetáculo nem as cinematográfica da "cosmética da fome". A favela de "CDH" é "só" -e sobretudo- o lugar onde moram os protagonistas da história, os garotos Laranjinha e Acerola.
Programa independente, "CDH" foi também importante por ter mostrado à Globo que há capacidade de produção televisiva além dos muros do Projac. É o que refresca a programação, quebra a seqüência monótona do "padrão Globo de qualidade" e ainda rende bom ibope.
"CDH" é uma criação da produtora O2, de Fernando Meirelles. É neta do especial "Palace 2", exibido pela Globo, que serviu de preparo para que o cineasta rodasse o consagrado longa "Cidade de Deus" (2002). O filme e seu sucesso são pais da série da TV.
Entre outras ousadias, "CDH" usou em seu último episódio desenho animado, que, aliás, foi um balão de ensaio para o lançamento da série em DVD (vamos lembrar que a O2 é a maior produtora de publicidade do país e que os caras sabem ganhar dinheiro).
O capítulo final, dirigido por Meirelles, merece atenção. "Em Algum Lugar do Futuro" é sobre o destino de Laranjinha, Acerola e seus intérpretes, respectivamente, Darlan Cunha e Douglas Silva.
Assim como os personagens, os atores são do morro carioca. E Meirelles joga com as intersecções entre realidade e ficção. Darlan e Douglas têm de abandonar a série pois já têm quase 18 anos (tinham 11 quando tudo começou).
Decidem tentar uma vaga em outra série da Globo e seguem para o Projac com a atriz e ex-paquita Letícia Spiller. Fazem testes para as duas. Na primeira, não conseguem porque são novos. Na segunda, porque o papel é de filho de casal branco, e eles são negros. "Por que então eles não usam um casal preto?", indaga Darlan.
É surpreendente que a Globo tenha veiculado uma porrada tão forte em seu próprio estômago. Os programas fictícios são ridículos, e o episódio ainda satiriza "Faustão" e "Globo Repórter". OK, tudo parece uma brincadeira, mas a acidez está lá, e Fernando Meirelles não nasceu ontem. Se foi descuido ou coragem, não importa. Uma frase do cineasta nos extras do DVD traz uma dica relevante: "Talvez o problema maior na TV seja a autocensura de diretores e autores, que deixam de propor algo com medo de ouvir "não" da cúpula".


Cidade dos Homens
     Distribuição: Som Livre (R$ 79,90; preço sugerido; caixa com quatro DVDs)


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