São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Façam fila!

Com compradores em lista de espera, Beatriz Milhazes lança livro no Brasil e abre mostra de gravuras em Nova York

Divulgação
"O Elefante Azul"; valor das telas ultrapassa os U$ 100


GABRIELA LONGMAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Espirais, cores, flores, rendilhados, cifrões. Pelos cálculos da galeria Fortes Vilaça, a lista de espera para comprar trabalhos da carioca Beatriz Milhazes, 46, já ultrapassa os cem nomes -fenômeno raro no mercado de arte brasileiro.
Sua obra é tema do livro de Paulo Herkenhoff "Beatriz Milhazes: Cor e Volúpia" (editora Francisco Alvez, 264 págs., R$ 120, lançamento dia 19/3 no Rio). Além disso, acaba de ser inaugurada no Soho, em Nova York, uma loja da editora Taschen decorada pela artista.
Em entrevista à Folha, por telefone, Milhazes contou sobre estes últimos projetos e sobre os planos que tem para o futuro próximo -inaugura no dia 9 uma exposição de gravuras na James Cohan Gallery, também em Nova York e, em novembro e expõe na Estação Pinacoteca com a curadoria de Ivo Mesquita.
"Por incrível que pareça, vai ser minha primeira exposição em instituição em São Paulo. Já fiz Bienal [participou da 24ª, em 1998, e da 26ª, em 2004, quando foi tema de sala especial] e galeria sempre, mas instituição não. Estou animada", diz Milhazes.
Segundo ela, a exposição será "uma espécie de panorama", cobrindo várias épocas de seu trabalho e deverá incluir obras de fora do Brasil -pelo menos uma inédita, produzida especialmente para a mostra.
"Acabo de voltar a pintar depois de um longo tempo tocando outros projetos. Trabalhei feito uma moura, mas a pintura propriamente dita estou retomando só agora."
A baixa produtividade - pinta uma média de dez telas por ano- é um dos motivos apontados pela galeria para explicar a famosa "fila" paulistana.
Sobre os outros projetos a que se refere, o ano passado assistiu a pelo menos três deles: a decoração do restaurante da Tate Modern, em Londres, um projeto para a estação de metrô de Gloucester Road, também na capital inglesa, e seis painéis de grandes dimensões para a nova loja da Taschen, em Nova York. O que os três trabalhos parecem ter em comum é a busca pela simplificação formal, de uma pintora acostumada ao excesso, ao barroco.
"Todos esses projetos, por questões ligadas ao tamanho e também ao suporte - a técnica final não é pintura, mas sim impressão sobre um tipo de vinil (Taschen) ou vinil adesivo recortado (Tate e Metrô)- trouxeram novas possibilidades para o meu desenho. Eu tive que simplificar. Meu trabalho é cheio de detalhes, mas esses detalhes não têm como existir numa dimensão destas", explica.
Paralelamente, a artista também trabalha junto à irmã, a coreógrafa Márcia Milhazes -Beatriz é a cenógrafa oficial da companhia, que estréia hoje à noite a turnê americana do espetáculo "Tempo de Verão", no Dance Theater Workshop, em Nova York.

Cor e volúpia
Enquanto esteve no Rio -ela está sempre indo e vindo- Milhazes preparou, no ano passado, o livro que revisita sua obra desde os anos 80, com textos de Paulo Herkenhoff. O crítico optou por uma abordagem não-cronológica de sua obra, dividindo o livro em eixos "temáticos" e agrupando questões recorrentes na pintura da carioca: "Paisagem", "Música", "A História do Círculo" são alguns dos "capítulos-tema" definidos por Herkenhoff.
"Achei ótimo o livro misturar épocas diferentes, sem fazer nada muito cronológico para não ficar uma coisa muito didática. Meu trabalho se desenvolve dessa maneira. Eu tenho aspectos que surgem no ano 2000 e com os quais posso voltar a trabalhar em 2006, por exemplo. Normalmente, a cada mostra que faço inicio novas questões, mas não as extermino naquele grupo de trabalhos e elas podem sempre ser retomadas", complementa.
Os textos de Herkenhoff descrevem a trajetória da artista, que teve sua formação baseada principalmente na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (em 1984 participou da emblemática mostra "Como Vai Você, Geração 80?") enquanto dava aula particular de geometria para crianças.
As referências da pintura da artista vão do Carnaval ao barroco, passando por Mondrian, Carmen Miranda, crochê, Volpi, tropicália... Foi este procedimento de juntar cores, padrões, formas e aplicações em decalque que levou-na a integrar, em 2003, o pavilhão brasileiro da 50ª Bienal de Veneza.
"A pintura de Milhazes é uma espécie de flora saída da "Primavera" de Botticelli em sintaxe contemporânea, pintada com os pincéis femininos pop de Andy Warhol", escreve o crítico no livro.

Passo a passo
Com a carreira internacional já estabilizada, Milhazes trabalha com gravuras vinculada a um estúdio da Pensilvânia e termina a reforma de seu ateliê no Jardim Botânico.
"Na minha vida foi tudo etapas por etapas, "step by step", eu não tive uma coisa fulminante que acontece com alguns artistas - aos 20 e poucos anos estoura, recebe toda a atenção e aquilo passa. Tive um processo denso no Brasil até o início dos anos 90 e só depois a internacionalização."
Processo lento e gradual. Mas e a fila? Quem são essas pessoas esperando para pagar mais de U$ 100 mil pelas cores e formas da carioca? Beatriz dá risada. "Sei que há uma demanda, mas longe de mim saber desta história de fila... Ligue lá para a Fortes Vilaça..."


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Livro retrata 30 ateliês no Rio de Janeiro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.