São Paulo, sábado, 05 de março de 2011

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E-book ameaça sobrevida de notas às margens

Bibliófilos se preocupam com o futuro incerto dos comentários de leitores na era digital

DIRK JOHNSON
DO "NEW YORK TIMES", EM CHICAGO

Trancado em um depósito climatizado na Biblioteca Newberry, em Chicago, um volume de "The Pen and the Book" (a pena e o livro) só pode ser estudado sob a vigilância de câmeras de segurança.
O livro trata de como lucrar com a publicação de livros; não pode ser qualificado de obra-prima. Mas é altamente valioso porque um leitor rabiscou observações nas margens de suas páginas.
O rabiscador foi Mark Twain (1835-1910), que escreveu a lápis nas margens observações como a de que "nada poderia ser mais estúpido" que usar publicidade para vender livros, como se fossem "artigos essenciais" tais quais "sal" ou "tabaco".
Como muitos outros leitores, Twain estava criando marginália, ou seja, escrevendo comentários ao lado de trechos do livro e, ocasionalmente, criticando o autor.
Um passatempo literário interessante cujo futuro é incerto no mundo digital.
"As pessoas sempre encontrarão maneiras de fazer anotações eletrônicas", afirma G. Thomas Tanselle, professor de inglês da Universidade Columbia. "Mas há a questão de como elas serão preservadas."
É o tipo de questão discutida pelo Caxton Club, grupo literário fundado em 1895 por 15 bibliófilos de Chicago, que, com a Biblioteca Newberry, promove neste mês o simpósio "Os Livros de Outras Pessoas: as Cópias da Associação e as Histórias que Elas Contam".
O encontro terá um novo volume de 52 ensaios sobre livros que já pertenceram a autores ou receberam anotações deles e promoverá reflexões sobre como esses exemplares incrementam a experiência da leitura. Os ensaios tratam de obras que conectam Lincoln, Alexander Pope, Jane Austen, Walt Whitman e Henry David Thoreau.

PRÁTICA MARGINAL
A marginália era algo muito mais comum no século 19.
Samuel Taylor Coleridge foi prolífico escritor de anotações nas margens de livros, como também o foram William Blake e Charles Darwin.
No século 20, a prática de escrever nas margens passou a ser vista quase como pichação: algo que pessoas educadas e respeitosas não fazem.
Paul F. Gehl, curador da biblioteca Newberry, culpa gerações de bibliotecários e professores por nos terem "imposto a ideia" de que escrever em livros "estraga ou danifica" os mesmos.
Heather Jackson, professora de inglês na Universidade de Toronto, diz que, cada vez mais, livros com anotações nas margens são vistos como tendo mais valor, não apenas por alguma possível conexão com um leitor famoso, mas pelo que revelam sobre a comunidade de pessoas ligada a uma obra.
Jackson, que fará uma palestra no simpósio, conta que o estudo da marginália revela um padrão de reações emocionais entre leitores comuns -algo que poderia passar despercebido.
"Pode ser uma colegial revelando seus sentimentos ou namorados trocando ideias sobre o significado do livro."

ANOTAÇÕES
Para David Spadafora, presidente da Newberry, anotações nas margens enriquecem um livro, possibilitando a leitores inferir outros significados, e conferem contexto histórico a ele.
"A revolução digital é uma boa coisa para o objeto físico", diz. Quanto mais pessoas virem artefatos históricos sob forma eletrônica, mais "terão vontade de conhecer o objeto real."

Tradução de CLARA ALLAIN


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