São Paulo, quinta-feira, 05 de abril de 2007

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Teatro de bolso

Montagens para público de 50 pessoas ou menos tornam-se comuns em São Paulo; estimulado por leis de incentivo, formato aproxima espectador do ator

Marcelo Navarro/Folha Imagem
"A Filosofia na Alcova', no Espaço dos Satyros, que tem 50 lugares


GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se um ator olhar para baixo, para cima ou para o lado sobre o palco de um teatro para mais de mil pessoas, com sorte alguém na platéia notará algo. Os gestos, nos espetáculos grandes, são mais amplos; a voz, mais impostada, e o olhar se perde com a distância.
Mas parte da cena contemporânea, pelo menos em São Paulo, tem optado por uma situação inversa: a de reduzir o número de espectadores, aproximando platéia e palco.
De quase cem peças em cartaz na cidade, cerca de 20 são feitas para 50 pessoas ou menos. Não é um sintoma de falta de público -muitos espetáculos atingem a lotação quase sempre-, mas sim de uma alternativa estética e conceitual que encontra apoio em mecanismos de fomento.
"A tendência é assumir espaços cada vez menores", diz André Garolli, diretor da Cia. Triptal, que conquistou um prêmio Shell pela concepção cenográfica de "Rumo a Cardiff". "Uma forma de atingir o público é transportá-lo a um divã, deixando-o perto do ator." Montada para 40 pessoas, a peça colocava a platéia praticamente dentro das cenas escritas por Eugene O'Neill, no alojamento de um navio mercante. Dava para ver o suor no rosto dos marinheiros.
Também a concepção do diretor Luiz Valcazaras para "Abre as Asas sobre Nós", de Sérgio Roveri, outro vencedor do prêmio Shell, exigia platéia reduzida, em círculo, ao redor de uma espécie de viveiro-prisão. "Só assim passava-se a idéia do confinamento dos personagens. Em alguns momentos, a própria platéia se sentia aprisionada no viveiro", diz Roveri. "Abre as Asas" reestréia no dia 13 no Espaço dos Parlapatões, com público e elenco dividindo o pequeno palco.
"Num teatro grande, a relação é palco-platéia. Num pequeno, a relação é ator-espectador", resume a atriz Juliana Galdino, que, após quase dez anos no CPT de Antunes Filho, partiu para carreira independente, começando com uma peça para 50 pessoas, "Anátema", hoje em cartaz no Rio.
A opção por platéias pequenas traz um dos fundamentos do "Pret-à-Porter" de Antunes: a valorização do trabalho do intérprete. "Para um ator, não é possível ser muito naturalista à frente de mil pessoas. Mas à frente de 50 é. O olho é uma ferramenta expressiva no cinema. No teatro, só se estamos perto do público", diz Juliana.

Leis de incentivo
Do ponto de vista da produção, essa linha teatral se inscreve no contexto das leis de incentivo. A distribuição de verbas pelo Programa de Fomento ao Teatro, criado em 2002 pela Prefeitura de São Paulo, destinou, em 2006, um total de R$ 4,13 milhões a 30 projetos.
Para Rodolfo García Vázquez, diretor dos Satyros -grupo que não só determinou um campo de pesquisa com ajuda do fomento mas também criou um espaço para peças de pequeno público-, o número de salas, há dez anos, era menor do que hoje. "A ampliação se deve ao fomento. As companhias receberam dinheiro para suas pesquisas e sentiram falta de espaços para apresentar suas experiências", analisa.
Mas mesmo o fomento trouxe limitações. "O projeto deu estabilidade para a pesquisa, mas não verba suficiente para a criação de espaços maiores. Por isso tanta sala com menos de 50 lugares. Em alguns casos, isso é meio deliberado", conclui Vázquez. "Nós, do Satyros, gostamos da proximidade com o público. Mas não tenho dúvidas de que a questão econômica determina também a redução de platéias em alguns casos".
Um outro aspecto a ser levantado é o fato de o incentivo alimentar certa independência em relação ao faturamento de bilheteria, o que nem sempre é visto com bons olhos. "Receio que o teatro passe a fazer peças contando só com subsídios e pare de pensar na formação do público. O teatro não pode parar de pensar em bilheteria", alerta Garolli.


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