São Paulo, quinta-feira, 05 de abril de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Cansei de ser "indie"


Artistas "independentes" não são novidade. Mas há toda uma mitologia acerca dessa categoria

MARIANA QUERIA porque queria usar piercing. Os pais fizeram tudo para evitar. Em vão. Dobrou-os impiedosamente, depois de uma longa batalha, na qual mobilizou todo o seu explosivo, exasperante e histérico arsenal de adolescente. Pregou a argolinha no umbigo e saiu por aí, de barriga de fora, pelas alamedas ensolaradas e clubes esfumaçados de São Paulo.
Outra noite encontrei-a num bar escuro da Barra Funda. As meninas de São Paulo não olham mais para mim. Mas ela olhou. Ok, nenhuma grande surpresa: Mariana é filha de um amigo meu. Ela estava se sentindo totalmente tudo, muito independente com seu piercing, montada sobre uma dessas sandálias elevadas por plataformas que as moças acham bacanas. Batemos um papo rápido e ela me falou de uma incrível banda "indie" de Londres.
Meninos e meninas da idade dela -mas não apenas- adoram banda "indie". No universo mental adolescente, "indie" é uma "atitude", dentro do rock, contra o sistema. É o pessoal que não dá bola para as "majors". As "majors" são as grandes gravadoras. Burguesas e caretas. Como pais que não gostam de piercing. As "majors" alimentam o "mainstream", a corrente principal. Já os "indies" navegam pelas beiradas.
Conheço músicos e sei que as grandes gravadoras podem criar muitos problemas para um artista -embora também resolvam muitos deles. Artistas "independentes" ou "marginais", como se dizia em outras épocas, não são nenhuma novidade. Mas há toda uma mitologia acerca dessa categoria -e uma de suas manifestações mais descaradas está na indústria pop.
No final dos anos 60, quando John Lennon avisou aos incautos que o sonho havia acabado (a propósito, lembro de um cartum muito bom, creio que do Jaguar, sobre essa frase -o sujeito com cara de idiota no balcão da padaria, e o português dizendo para ele: "O sonho acabou"), muita gente se decepcionou ao "descobrir" que roqueiros famosos eram endinheirados, viviam em mansões e colecionavam carrões -ou seja, levavam uma vida parecida com a que contestavam em suas músicas.
O termo "indie" veio depois, para designar uma geração de bandas que requentou o sonho juvenil (neo) hipppie, com direito a novas quebras de guitarras e jovens "heróis" mortos. O enorme sucesso desse rock "indie" colocou-o justamente no "mainstream". Transformou-o mais em estilo do que em alternativa ao modo de produção da indústria cultural. Na melhor das hipóteses, o "indie" é o que está na fila para ser "mainstream" -caso tenha competência.
Essas distinções vão perdendo sentido com as facilidades atuais de produção, reprodução e difusão, a crise do direito autoral e o declínio de poder das "majors".
Nesse quadro de grandes mudanças na indústria, os movimentos mais interessantes talvez estejam antes nas periferias da periferia do que em Londres. Pense, por exemplo, na estratégia do tecnobrega do Pará, de usar a pirataria na divulgação de seus próprios CDs com o propósito de faturar, depois, nos shows. Isso não é super "indie"?


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