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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Cansei de ser "indie"
Artistas "independentes" não são novidade. Mas há toda uma mitologia acerca dessa categoria
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MARIANA QUERIA porque
queria usar piercing. Os
pais fizeram tudo para evitar. Em vão. Dobrou-os impiedosamente, depois de uma longa batalha,
na qual mobilizou todo o seu explosivo, exasperante e histérico arsenal
de adolescente. Pregou a argolinha
no umbigo e saiu por aí, de barriga
de fora, pelas alamedas ensolaradas
e clubes esfumaçados de São Paulo.
Outra noite encontrei-a num bar
escuro da Barra Funda. As meninas
de São Paulo não olham mais para
mim. Mas ela olhou. Ok, nenhuma
grande surpresa: Mariana é filha de
um amigo meu. Ela estava se sentindo totalmente tudo, muito independente com seu piercing, montada
sobre uma dessas sandálias elevadas
por plataformas que as moças
acham bacanas. Batemos um papo
rápido e ela me falou de uma incrível
banda "indie" de Londres.
Meninos e meninas da idade dela
-mas não apenas- adoram banda
"indie". No universo mental adolescente, "indie" é uma "atitude", dentro do rock, contra o sistema. É o
pessoal que não dá bola para as "majors". As "majors" são as grandes
gravadoras. Burguesas e caretas. Como pais que não gostam de piercing.
As "majors" alimentam o "mainstream", a corrente principal. Já os
"indies" navegam pelas beiradas.
Conheço músicos e sei que as
grandes gravadoras podem criar
muitos problemas para um artista
-embora também resolvam muitos
deles. Artistas "independentes" ou
"marginais", como se dizia em outras épocas, não são nenhuma novidade. Mas há toda uma mitologia
acerca dessa categoria -e uma de
suas manifestações mais descaradas
está na indústria pop.
No final dos anos 60, quando John
Lennon avisou aos incautos que o
sonho havia acabado (a propósito,
lembro de um cartum muito bom,
creio que do Jaguar, sobre essa frase
-o sujeito com cara de idiota no balcão da padaria, e o português dizendo para ele: "O sonho acabou"), muita gente se decepcionou ao "descobrir" que roqueiros famosos eram
endinheirados, viviam em mansões
e colecionavam carrões -ou seja, levavam uma vida parecida com a que
contestavam em suas músicas.
O termo "indie" veio depois, para
designar uma geração de bandas que
requentou o sonho juvenil (neo)
hipppie, com direito a novas quebras de guitarras e jovens "heróis"
mortos. O enorme sucesso desse
rock "indie" colocou-o justamente
no "mainstream". Transformou-o
mais em estilo do que em alternativa
ao modo de produção da indústria
cultural. Na melhor das hipóteses, o
"indie" é o que está na fila para
ser "mainstream" -caso tenha
competência.
Essas distinções vão perdendo
sentido com as facilidades atuais de
produção, reprodução e difusão, a
crise do direito autoral e o declínio
de poder das "majors".
Nesse quadro de grandes mudanças na indústria, os movimentos
mais interessantes talvez estejam
antes nas periferias da periferia do
que em Londres. Pense, por exemplo, na estratégia do tecnobrega do
Pará, de usar a pirataria na divulgação de seus próprios CDs com o propósito de faturar, depois, nos shows.
Isso não é super "indie"?
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