São Paulo, quinta-feira, 05 de abril de 2007

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Ushuaia mostra arte no fim do mundo

Na primeira edição da Bienal Fin del Mundo, obras de arte duelam com a beleza do cenário da Patagônia argentina

Cidade mais ao sul do planeta exibe trabalhos de artistas em locais inusitados como presídios e passeios de barco pelo canal de Beagle

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A USHUAIA

Com mais de cem bienais espalhadas pelo mundo, a mais recente, a 1ª Bienal Fin del Mundo (Fim do Mundo), abriu suas portas ao público no último sábado, dia 31, em Ushuaia, na Patagônia argentina.
Cidade mais austral do planeta, ou seja, localizada mais ao sul, com uma população de 60 mil habitantes, Ushuaia é um ponto essencialmente turístico, que atrai de jovens mochileiros de outros continentes a viajantes de luxo -Bill Gates, por exemplo, estava lá na semana passada.
Com paisagens deslumbrantes, das ilhas habitadas por animais como pingüins e lobos-marinhos no canal de Beagle aos picos andinos cobertos de neve, a cidade recebe uma mostra de arte contemporânea com o desafio de concorrer com um contexto tão fabuloso.
Nesse sentido, a questão é, afinal, para que uma bienal em tal lugar?
Com curadoria geral da brasileira Leonor Amarante, que reuniu 70 artistas de 21 países, a mostra segue afinada com outros modelos de bienal: acontece num espaço inusitado -no caso, o Centro Poliesportivo, restaurado para a exposição-, obras espalhadas pela cidade -no antigo presídio, em pontes, em áreas públicas, como "Espectro", do cubano Edgar Hecheverria-, performances, palestras, trabalhos realizados para o local. Tal equação demonstra sintonia com o circuito internacional, mas a pergunta do parágrafo anterior segue aberta.
Num contexto tão estranho -Ushuaia é uma Twin Peaks que fala espanhol-, a mostra seria perfeita para se discutir os efeitos da globalização, marcado pela perda da associação imediata entre lugar, identidade e cultura. Então, são os trabalhos que lidam diretamente com tal dilema que se tornam o diferencial da exposição.
Como exemplo, pode-se citar a instalação do cubano Kcho, na Casa Beban, feita na verdade em Cuba, no ano de 2004, uma série de móveis elevados por remos, que em Cuba se refere ao desejo de fuga da ilha, mas que em Ushuaia transforma-se numa metáfora de deslocamento. Local e global dialogam aí em fina sintonia.
Nem todas as obras são tão sofisticadas, o literalismo ameaça grande parte da mostra: há imagens de pingüins dentro de geladeira (obra do venezuelano Nan Gonzalez), blocos de gelo derretendo frente a aquecedores (do argentino Daniel Trama), imagens em excesso dos pólos. Com isso, sobressaem trabalhos como o do coletivo brasileiro Grupo Bijari, com a instalação "Porque Luchamos?",
que aborda a recente visita de Bush à América Latina, estampando a frase de forma agigantada: "Temos álcool para dar e vender. Ethanol molotov for yankee target".
Ou ainda a poética da ocupação do paraibano José Rufino, no antigo presídio em forma de panóptico, que espalhou camas disformes nas minúsculas celas da instituição, onde a média de sobrevida de um presidiário era de um ano.
Entretanto, a obra mais radical da Bienal é a que lhe fornece um diferencial em relação às demais: o passeio de barco "The Paradigm Confines Tour" (a viagem nas margens do paradigma), da argentina Alicia Herrero.
Por três horas, cerca de 40 pessoas refizeram a rota de Charles Darwin, em 1831, no canal de Beagle, debatendo o tema para a realização de uma revista na internet (www.magazineinsitu.com), já on-line.
Longe dos espaços expositivos, o debate bastante ácido à própria Bienal foi uma marca de abertura para a autocrítica, que curadores nem sempre estão dispostos a provocar.


O jornalista FABIO CYPRIANO viajou a convite da organização da 1ª Bienal Fin del Mundo

BIENAL FIN DEL MUNDO
Quando:
até 29/4
Onde: Centro Poliesportivo, Antigo Presídio, Casa Beban, Casa da Cultura, Museo del Fin del Mundo Ushuaia
Quanto: entrada franca
Avaliação: bom


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