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Ushuaia mostra arte no fim do mundo
Na primeira edição da Bienal Fin del Mundo, obras de arte duelam com a beleza do cenário da Patagônia argentina
Cidade mais ao sul do planeta exibe trabalhos de artistas em locais inusitados como presídios e passeios de barco pelo canal de Beagle
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A USHUAIA
Com mais de cem bienais espalhadas pelo mundo, a mais
recente, a 1ª Bienal Fin del
Mundo (Fim do Mundo), abriu
suas portas ao público no último sábado, dia 31, em Ushuaia,
na Patagônia argentina.
Cidade mais austral do planeta, ou seja, localizada mais ao
sul, com uma população de 60
mil habitantes, Ushuaia é um
ponto essencialmente turístico, que atrai de jovens mochileiros de outros continentes a
viajantes de luxo -Bill Gates,
por exemplo, estava lá na semana passada.
Com paisagens deslumbrantes, das ilhas habitadas por animais como pingüins e lobos-marinhos no canal de Beagle aos picos andinos cobertos de
neve, a cidade recebe uma mostra de arte contemporânea com
o desafio de concorrer com um
contexto tão fabuloso.
Nesse sentido, a questão é,
afinal, para que uma bienal em
tal lugar?
Com curadoria geral da brasileira Leonor Amarante, que
reuniu 70 artistas de 21 países,
a mostra segue afinada com outros modelos de bienal: acontece num espaço inusitado -no
caso, o Centro Poliesportivo,
restaurado para a exposição-,
obras espalhadas pela cidade
-no antigo presídio, em pontes, em áreas públicas, como
"Espectro", do cubano Edgar
Hecheverria-, performances,
palestras, trabalhos realizados
para o local. Tal equação demonstra sintonia com o circuito internacional, mas a pergunta do parágrafo anterior segue aberta.
Num contexto tão estranho
-Ushuaia é uma Twin Peaks
que fala espanhol-, a mostra
seria perfeita para se discutir os
efeitos da globalização, marcado pela perda da associação
imediata entre lugar, identidade e cultura. Então, são os trabalhos que lidam diretamente
com tal dilema que se tornam o
diferencial da exposição.
Como exemplo, pode-se citar
a instalação do cubano Kcho,
na Casa Beban, feita na verdade
em Cuba, no ano de 2004, uma
série de móveis elevados por
remos, que em Cuba se refere
ao desejo de fuga da ilha, mas
que em Ushuaia transforma-se
numa metáfora de deslocamento. Local e global dialogam
aí em fina sintonia.
Nem todas as obras são tão
sofisticadas, o literalismo
ameaça grande parte da mostra: há imagens de pingüins
dentro de geladeira (obra do venezuelano Nan Gonzalez), blocos de gelo derretendo frente a
aquecedores (do argentino Daniel Trama), imagens em excesso dos pólos.
Com isso, sobressaem trabalhos como o do coletivo brasileiro Grupo Bijari, com a instalação "Porque Luchamos?",
que aborda a recente visita de
Bush à América Latina, estampando a frase de forma agigantada: "Temos álcool para dar e
vender. Ethanol molotov for
yankee target".
Ou ainda a poética da ocupação do paraibano José Rufino,
no antigo presídio em forma de
panóptico, que espalhou camas
disformes nas minúsculas celas
da instituição, onde a média de
sobrevida de um presidiário era
de um ano.
Entretanto, a obra mais radical da Bienal é a que lhe fornece
um diferencial em relação às
demais: o passeio de barco "The
Paradigm Confines Tour" (a
viagem nas margens do paradigma), da argentina Alicia
Herrero.
Por três horas, cerca de 40
pessoas refizeram a rota de
Charles Darwin, em 1831, no
canal de Beagle, debatendo o
tema para a realização de uma
revista na internet (www.magazineinsitu.com), já on-line.
Longe dos espaços expositivos,
o debate bastante ácido à própria Bienal foi uma marca de
abertura para a autocrítica, que
curadores nem sempre estão
dispostos a provocar.
O jornalista FABIO CYPRIANO viajou a convite
da organização da 1ª Bienal Fin del Mundo
BIENAL FIN DEL MUNDO
Quando: até 29/4
Onde: Centro Poliesportivo, Antigo
Presídio, Casa Beban, Casa da Cultura,
Museo del Fin del Mundo Ushuaia
Quanto: entrada franca
Avaliação: bom
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