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ENTREVISTA DA 2ª - VIKTOR MAYER-SCHÖENBERGER
Esquecer limpa a mente, ajuda a abstrair e a generalizar
Pesquisador da sociedade da informação defende a virtude do esquecimento na era digital e diz que "tudo o que é arquivado na rede deve sair do ar em algum momento"
DANIELA ARRAIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Esquecer sempre foi fácil:
costumava ser o comportamento padrão diante das tantas
vidas que precisam caber em
uma só. Lembrar de cada aniversário, início de namoro -e
seus consequentes corações
partidos-, promoção de emprego, tudo bem. Mas armazenar na memória todos os detalhes dos anos que se passam
não era possível nem para
aqueles humanos considerados
mais evoluídos. Até o momento
em que a internet transformou
essa utopia em realidade.
Com custos de armazenamento de dados cada vez mais
baixos, a era digital modificou
completamente a relação do
homem com a memória. É tão
barato guardar gigabytes de fotos, textos e vídeos que são poucas as pessoas que escolhem o
que realmente querem ter para
sempre. Elas esquecem, no entanto, que as informações colocadas na rede são difíceis de deletar -sites como o Wayback
Machine são capazes de encontrar, em segundos, aquilo que
você achava que tinha apagado.
Em consequência, os erros
do passado não ficam mais restritos àquele tempo e podem
voltar a nos assombrar a qualquer momento.
Precisamos mesmo disso? O
pesquisador Viktor Mayer-Schöenberger acredita que não.
Autor do livro "Delete -The
Virtue of Forgetting in the Digital Age" (delete, a virtude de
esquecer na era digital; Princeton University Press, US$
24,95), ele afirma que a "limpeza" que o cérebro faz constantemente é uma virtude, e não
uma limitação. É o que nos permite uma atitude tão simples
quanto essencial: a de seguir
em frente.
A seguir, leia a entrevista que
Viktor Mayer-Schöenberger
concedeu à Folha por e-mail.
FOLHA - A internet está tornando
difícil o ato de esquecer informações?
VIKTOR MAYER-SCHÖENBERGER
-
Não é só a internet, mas a combinação com a digitalização,
que nos permite usar as mesmas ferramentas tecnológicas
para processar, armazenar e
disseminar diferentes fluxos de
informação, incluindo imagens, áudio e vídeo. Isso cria
fortes economias de escala, o
que tem facilitado uma queda
dos custos de armazenagem.
Hoje é mais barato armazenar
todas as imagens digitais em
um disco rígido, em vez de gastar alguns segundos para decidir se quer manter uma foto digital ou excluí-la. Adicione a isso grandes avanços na recuperação da informação, bem como uma rede digital global, a
internet, para acesso ao armazenamento digital, e você tem
uma situação em que a lembrança é o padrão, e esquecer, a
exceção.
FOLHA - No seu livro, você fala sobre o papel de lembrar e a importância de esquecer. Pode explicar isso?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Durante
toda a história da humanidade,
o esquecimento tem sido fácil
para nós. Ele é construído em
nosso cérebro: a maior parte do
que nós experimentamos, pensamos e sentimos é esquecida
rapidamente. E (principalmente) com uma boa razão: essas
coisas não são mais relevantes
para nós, e esquecer limpa a
mente.
Esquecer nos ajuda a abstrair
e a generalizar, a ver a floresta
em vez das árvores, e a viver e
agir no presente, em vez de ficar amarrado a um passado cada vez mais detalhado.
Esquecer nos ajuda a evoluir,
a crescer, a seguir em frente
-para aprender novas coisas.
Pelo esquecimento, a nossa
mente se alinha com o nosso
passado, com nossas preferências do presente, tornando
mais fácil a sobrevivência e a vida suportável.
Pelo esquecimento, também
facilitamos a nossa capacidade
de perdoar os outros por seus
comportamentos.
O que é verdadeiro para indivíduos também é verdadeiro
para a sociedade em um aspecto mais amplo. As sociedades
devem ter a capacidade de perdoar indivíduos esquecendo o
que eles fizeram, reconhecendo, deste modo, que os seres
humanos têm a capacidade de
mudar e de crescer.
FOLHA - Em seu livro, você diz que
a memória perfeita altera nosso
comportamento. Como isso acontece?
MAYER-SCHÖENBERGER
- A memória perfeita tem dois potenciais
efeitos de congelamento.
O primeiro é em relação à sociedade. Se tudo o que dizemos
e fazemos hoje puder ser usado
contra nós em um futuro distante, acabando com a possibilidade de conseguirmos um
emprego melhor ou um relacionamento melhor, muitos de
nós vamos começar a nos censurar sobre o que fazemos e dizemos on-line hoje. A memória
perfeita criará um pan-óptico
temporário -o oposto exato do
que precisamos em uma sociedade democrática baseada em
robustos debates cívicos.
Minha segunda preocupação
recai sobre a nossa capacidade
de decidir e agir no presente.
Pessoas com memória perfeita
reclamam que sua tomada de
decisão é dificultada por sua incapacidade de verter o passado
-recordar todo o nosso passado empurra-nos para que nos
tornemos indecisos.
Nós devemos saber em que
medida a memória perfeita
usurpa nossas vidas. Algumas
vezes, a memória pode ser útil,
mas será eu realmente preciso
buscar no Google o nome de todo mundo antes de encontrar
essas pessoas?
FOLHA - A memória é construída
tanto pelo que aconteceu quanto
pelo que não aconteceu. É parte da
evolução humana criar histórias,
misturá-las, mentir até. A total capacidade de armazenar informação
pode afetar os afetos?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Sim, certamente. Nossa memória humana não é fixa. Ela é constantemente reconstruída com base em nossas preferências e valores presentes. Isso reduz a
dissonância cognitiva e nos
permite viver profundamente
enraizados no presente.
Se percebemos que a nossa
memória humana não é perfeita e começamos a confiar em
memórias digitais mais do que
na nossa, três terríveis consequências podem seguir: (a) podemos acreditar que o que é
capturado digitalmente e lembrado é o registro completo,
embora não seja (muito pode
não ter sido capturado digitalmente); (b) nós podemos nos
tornar dependentes da memória digital e quem quer que seja
que controla essa memória digital poderá ter o poder de reescrever a história; (c) se percebermos que a memória digital
também pode não ser confiável, podemos desistir da história e da memória completamente -uma espécie arrancada sem passado.
FOLHA - Quais são os riscos de termos todas as informações disponíveis na nuvem computacional?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Se a privacidade dos indivíduos na rede falhasse em massa, todo
mundo seria exposto, e a privacidade desapareceria. O sociólogo Goffman tem uma fala famosa sobre a necessidade de os
seres humanos terem mais de
uma fase em suas vidas. Por
exemplo: uma fase para frente e
uma fase para trás. Se todos os
dados podem ser vistos por todos, a diferenciação desses estágios entraria em colapso, com
tensões inimagináveis.
FOLHA - Nós precisamos pensar
antes de começar a espalhar tanta
informação por aí?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Sim, nós
precisamos pensar. Mas eu estou preocupado que, se pensarmos muito, vamos nos auto-censurar. Isso pode nos proteger individualmente, mas empobrece-nos como sociedade.
Seria muito melhor se nós ainda pudéssemos compartilhar
muita informação, mas ter um
mecanismo para que essa informação fosse esquecida ao
longo do tempo. É por isso que
eu tenho defendido a reintrodução do esquecimento na era
digital.
FOLHA - Como na vida, a internet
precisa dar uma segunda chance às
pessoas? Se não, a rede pode virar
uma espécie de tribunal permanente?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Realmente. Temos que perdoar, esquecer. O Google não vai nos
deixar fazer isso. Se nós procuramos o nome de alguém no
Google e descobrimos uma citação de que ele estava dirigindo embriagado há dez anos, o
quão relevante é isso para o
presente dessa pessoa?
FOLHA - Você diria que a sociedade
da era digital não concede perdão?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Eu acho
que isso é bastante apropriado.
FOLHA - Você acha que falta uma
regulação para a internet?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Eu não
acho que exista um regulamento simples que possamos estabelecer para evitar os problemas da memória digital. Como
eu detalho no meu livro, precisamos de uma combinação de
uma série de medidas para enfrentar o desafio do fim do esquecimento na era digital.
FOLHA - Como podemos apagar
nossas pegadas na internet?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Isso é
muito difícil porque não temos
controle total sobre as informações pessoais. Algumas empresas de internet oferecem
(difíceis) formas de eliminar
informações pessoais. Outras
não. Um grupo no Google está
trabalhando em ferramentas
para extrair todas as informações pessoais do Google e, em
seguida, excluí-las, mas esse
serviço ainda está na sua infância. Há empresas comerciais
que têm serviços para apagar as
pegadas, mas são muito caros.
Devemos ensinar os softwares a agirem de acordo com
nossa mente. Tudo o que é arquivado deve sair do ar em algum momento. Devemos indicar a data de validade para as
fotos que colocamos na rede,
por exemplo. Quando chegar o
momento, elas serão deletadas.
Um exemplo é o site Drop.io.
FOLHA - Como você teve a ideia de
escrever o livro?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Nos
agradecimentos, eu conto a história de que eu esqueci como eu
tive a ideia para o livro. Por acaso eu tinha escrito uma pequena nota para mim sobre a ideia.
Mais tarde, eu esqueci tudo sobre ele -talvez não fosse tão
importante assim.
FOLHA - Você já deve ter ouvido
muitas histórias de pessoas com
problemas por conta das pegadas
digitais. Qual chamou mais sua
atenção?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Foi o caso de uma mulher norte-americana de quase 30 anos que havia ficado alguns anos na prisão
por algo que ela tinha feito aos
18 anos. Depois de sua libertação, ela se mudou para uma nova cidade, começou uma nova
vida. Encontrou um marido,
um emprego, seus filhos cresciam em uma família normal.
Até que um colega de um filho
"deu um Google" no nome dela
e, por acaso, deu de cara com
um site que colocava fichas policiais com foto de todos os prisioneiros do Estado nas últimas duas décadas. De repente,
a vida dela desmoronou.
FOLHA - Se hoje as pessoas não
têm direito a uma segunda chance,
o que pode acontecer em dez, 20
anos?
MAYER-SCHÖENBERGER
- Se nós
não oferecermos a nós mesmos
uma chance de escolha significativa em breve, gerações de
nativos digitais vão crescer e
assumir que a escolha não é
possível. Eles vão adaptar suas
vidas para as restrições impostas pela máquina. Isso seria terrível. Nós podemos moldar a
máquina de qualquer maneira
que quisermos. E, se quisermos, podemos fazê-la de uma
forma que nos ofereça escolha!
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