São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2005

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HISTÓRIA

Série resgata relatos clássicos de Joel Silveira, sobre a Segunda Guerra, e de José Hamilton Ribeiro, sobre o Vietnã

Livros revivem bom jornalismo de guerra

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

"Eu não vi na hora, mas a guerra estava lá", afirma o jornalista José Hamilton Ribeiro, 67, sobre a sensação ao desembarcar em Saigon, em 1968, para cobrir a Guerra do Vietnã para a revista "Realidade". "A primeira impressão foi a de que tinha desembarcado no país errado", conta, tal era a agitação da cidade de ar cosmopolita herdado da colonização francesa.
Já para Joel Silveira, 86, que cobriu a Segunda Guerra Mundial junto aos postos da FEB (Força Expedicionária Brasileira), na Itália, como correspondente dos "Diários Associados", a idéia de que o conflito parecia longínquo era ainda mais paradoxal. "Estávamos mais distantes dos fatos sensacionais do mundo do que qualquer carioca ou paulista."
Apesar de terem a sensação de estarem afastados do chamado "hard news" (as principais notícias do dia), tanto Ribeiro como Silveira compuseram dois clássicos do jornalismo brasileiro. Isso porque conseguiram, com relatos em primeira pessoa, aproximar imagens das duas guerras dos leitores aqui no Brasil. Retrataram personagens, paisagens, gostos e reações de tal maneira que entregavam a quem os lesse instrumentos para que construíssem um cenário vivo dos conflitos.
Por um triste infortúnio, Ribeiro foi além e descreveu a dor na própria carne. No último dia de sua cobertura em solo vietnamita, o jornalista pisou numa mina e perdeu parte da perna esquerda.
Uma versão reeditada de ambas as coberturas chega agora em dois livros da coleção Jornalismo de Guerra (ed. Objetiva). São elas "O Inverno da Guerra", de Joel Silveira, e "O Gosto da Guerra", de José Hamilton Ribeiro.
No momento em que se comemoram 60 anos do fim da Segunda Guerra e 30 do término da Guerra do Vietnã, os dois jornalistas, em entrevista à Folha, compararam os conflitos com a guerra a que assistem hoje.
Silveira, hoje adoentado e afastado da profissão, diz que a Segunda Guerra foi a única realmente justa da história do homem. "O mundo tinha de se livrar de Hitler. Os EUA foram adorados por libertar o mundo do nazismo e depois jogaram isso fora com a invasão do Iraque. Viraram o povo mais odiado do planeta."
Já Ribeiro, que hoje edita e é repórter do "Globo Rural", pensa que o conflito no Vietnã tinha um componente romântico que nunca mais existirá. "O que movia a guerra contra os EUA era um projeto político e ideológico que tinha muito sentido naquela época. No caso da Guerra do Iraque, hoje, nada disso existe."

O inverno de Joel
"O Inverno da Guerra" é uma seleção de textos de Joel Silveira sacados do livro "Histórias de Pracinha", de 1945 e esgotado há 30 anos. Todos foram escritos no front e enviados para publicar no dia seguinte. Mas isso nem sempre acontecia, pois a censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) vetava parte do material. "Quando voltei, Carlos Lacerda, diretor da agência Meridional, subordinada aos "Diários Associados", me deu uma pilha de laudas, "isso foi o que você mandou e não pudemos soltar"."
O Brasil vivia então a ditadura do Estado Novo (1937-1945). "Qualquer menção às palavras democracia ou liberdade era motivo para o texto cair", diz. Segundo ele, Getúlio Vargas foi contrário à ida dos jornais brasileiros ao conflito. Silveira teve como companheiros de cobertura Egydio Squeff ("O Globo"), Rubem Braga ("Diário Carioca"), Raul Brandão ("Correio da Manhã") e o fotógrafo Thassilo Mitke.
Vargas se manteve neutro com relação à participação do Brasil na Segunda Guerra até 1941. Após um acordo com os EUA, em que barganhou o financiamento da primeira siderúrgica nacional, e o torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães, decidiu enviar soldados brasileiros ao front ao lado dos aliados.
"Mas a má vontade dele era imensa até nos pequenos detalhes. Por exemplo, o uniforme dos soldados brasileiros era igual ao alemão. Os americanos ficaram boquiabertos, e os brasileiros tiveram de trocar de fardamento."

O inferno de José Hamilton
Já o "Gosto da Guerra" é uma versão modificada do livro original, de 1969, esgotado há 20 anos.
Na edição, caiu fora um trecho em que o jornalista condenava a ação norte-americana no Vietnã. "Tirei porque isso perdeu o sentido, o quadro mudou muito. Achei que fazia mais sentido deixar só a parte mais humana do relato."
A opção privilegia, assim, o incidente que causou a amputação de sua perna e como viu o conflito a partir dessa tragédia. "No começo eu tinha muito medo de morrer. Depois percebi que devia escrever sobre aquilo e comecei a entrevistar meus colegas feridos do hospital, os enfermeiros, os médicos."

Estilo perdido
Silveira e Ribeiro concordam que o tipo de jornalismo que fizeram caiu em desuso, mas que deveria ser resgatado num momento em que o jornais passam por uma crise, não só econômica, mas de identidade. "Investir nesse estilo de relato pessoal seria uma saída. Há muitos bons jornalistas nas redações que não podem expandir sua maneira de escrever por causa do padrão de edição que se estabeleceu", diz Silveira.
Já Ribeiro acredita que a crise é antes econômica do que editorial. "Depois que isso passar, o jornalismo de reportagem deve voltar, pois ele é caro e precisa de investimento. Quanto ao relato em primeira pessoa, não acho que esteja fora do tempo. Um bom parâmetro é que nos EUA esse tipo de reportagem se mantém vivo."


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