São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2006

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"Caché" acerta o alvo, diz Binoche

Atriz diz à Folha que o premiado filme de Michael Haneke, que estréia hoje, evidencia dificuldades contemporâneas

Thos Robinson - 9.out.2005/France Press
O diretor do longa, Michael Haneke


PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Quando Juliette Binoche aceitou o convite de Michael Haneke para participar do elenco de "Caché", antes mesmo de ler o roteiro, tinha apenas duas certezas: sua personagem se chamaria Anne e ela choraria muito.
"Haneke batiza todas as suas heroínas de Anne Laurent, não me pergunte o porquê. E, pelo menos no roteiro, elas sempre choram. Dessa vez, falei para ele: menos lágrimas, por favor."
A atriz já tinha derramado lágrimas pela Anne Laurent de "Código Desconhecido", que o diretor austríaco, hoje radicado na França, rodou em Paris, em 2000.

Fitas de vídeo
Em "Caché", que estréia hoje, a "nova" Anne Laurent faz parte da classe média alta parisiense. É confortavelmente casada com o apresentador de televisão Georges (Daniel Auteuil), quando o cotidiano da família é abalado por fitas de vídeo que são misteriosamente depositadas em sua porta.
Em um primeiro momento, as imagens mostram a frente da casa, sugerindo apenas uma vigilância inofensiva. Aos poucos, se tornam mais ameaçadoras e revelam uma remota conexão com a infância do apresentador.
"Aceitei "Caché" sem pestanejar porque tenho absoluta confiança em Haneke, um cineasta que pesquisa a verdade, discute problemas contemporâneos e necessários e me inspira absoluta confiança", disse Binoche em entrevista à Folha, em janeiro passado, durante o 9º Encontro com o Cinema Francês, em Paris.
O mistério da autoria das fitas nunca é revelado por completo, mas eles trazem à tona um ato terrível do passado de Georges -que por sua vez está ligado a um certo sentimento de culpa da França colonizadora.
"Quem fez e mandou os vídeos não interessa. O que interessa é o mal-estar provocado por aquelas imagens, o fantasma que volta à vida de Georges subitamente. A questão central do filme é sua incapacidade de reconhecer a própria culpa. É aí que lhe falta humanidade, responsabilidade", diz Binoche.
Em outubro de 2005, cinco meses depois da primeira exibição de "Caché" no Festival de Cannes -onde o filme foi um dos grandes destaques, levando os prêmios de melhor direção e melhor filme segundo a crítica internacional-, eclodiam em Paris violentas rebeliões de imigrantes.
Para Binoche, foi a concretização de um mal-estar para o qual o filme de Haneke apontava.
"O cinema é como um espelho de nossas tensões coletivas e individuais, e quando você tem um autor atento como Haneke, pode acertar em cheio. "Caché", na minha opinião, acerta a chave do problema: nossa incapacidade de relacionar o presente com as questões do passado, de observar a história. O que se passou na periferia parisiense é a conseqüência de questões há tempos mal resolvidas. O filme nos ajuda a enxergá-las melhor."

Pesquisa
Em 2002, quando já sabia que faria "Caché" e se preparava para rodar "Em Minha Terra", filme de John Boorman sobre a Comissão de Reconciliação da África do Sul, a atriz visitou a Argélia, que completava 40 anos de independência.
"Meu pai participou da resistência argelina. Senti uma profunda necessidade de ir lá pessoalmente, de fazer essa ligação com o passado. Fui lá para pedir perdão, simplesmente."
Um ano depois, Binoche foi também a Sarajevo, preparar-se para viver uma imigrante bósnia no ainda inédito "Breaking and Entering", em que volta a trabalhar com Anthony Minghella, que a dirigiu no oscarizável "O Paciente Inglês".
"Minghella, como tantos diretores ingleses, gosta de trabalhar com atores. É uma tradição ligada ao teatro. Os franceses não acreditam em ensaio, em preparação, acham que isso empobrece o trabalho. Pode ser interessante, mas em geral é pura tolice", afirma a atriz francesa.


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