São Paulo, Quarta-feira, 05 de Maio de 1999
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Jorge Ben e bom humor diversificam universo do cantor

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

No seio da sacrossanta MPB de fim de século, "Crooner" até que é disco pouco acomodado. Sua força vem, toda, do que guarda de inusitado e inesperado na já longa discografia de Milton Nascimento.
O inesperado está bem representado por três momentos do disco: as regravações de "Mas Que Nada" (Jorge Ben, 63) e "Beat It" (Michael Jackson, 82) e o pot-pourri (caracterizado como faixa-bônus) das pândegas "O Gato da Madame", "Edmundo" e "Cumanã".
O que há de especial neles? São lances alienígenas ao universo do artista. "Edmundo", versão abrasileirada de "In the Mood", com que Elza Soares deitava e rolava nos 60, é faísca de bom humor numa obra sempre tão séria.
"Mas Que Nada", tema um tanto batido, propicia o até agora inimaginável cruzamento entre Milton e Jorge Ben -na linhagem de ampliação referencial que Milton anda vivendo, como quando cantou "Mania de Você" com Rita Lee.
É um dueto em arranjo samba-jazz com Bebeto, do conjunto bossa nova Tamba Trio. Não deixa de ser do universo de Milton, mas ainda assim resulta inesperado.
Efeito parecido ocorre nas intervenções bossa-novistas dos Cariocas, no que "Crooner" se aproxima de recente disco de Rolando Boldrin dedicado aos repertórios dos antigos conjuntos vocais brasileiros -dos quais saiu, não custa lembrar, João Gilberto.
"Beat It", por incrível que pareça, é iniciativa ousada de Milton de homenagear o ícone pop monumental que é Michael Jackson.
Funciona a versão? É claro que não plenamente. O corinho é medonho, a percussão tenta remeter o gringo à Bahia e falta suingue, voz (sim, ela continua curta e abalada -ouça "Only You", o furo n'água vocal do CD) e precisão pop a Milton para encará-la. Mas, de tão corajoso, faz-se mesmo assim o que há de melhor em "Crooner".
Ele aprofunda como nunca a visita a artistas dos 80 e 90. "Não Sei Dançar", de Alvin L., continua delicada, mas sucumbe à versão original, de 91, por Marina Lima. "Certas Coisas" (84), de Lulu Santos, abusa de coro cafona e redundância. "Resposta" (98), de Samuel "Skank" Rosa e Nando "Titãs" Reis, vem convenientemente transformada em rock rural.
Esta bate numa tática atual da sacrossanta MPB, de cavar sucessos populares recostada no poderio da Central Globo de Produções. Tal qual aconteceu com "Sozinho" (Caetano) e "É o Amor" (Bethânia), "Resposta" será o que será graças à novela das sete da Globo.
De resto, "Crooner" é CD de revisão. "Castigo" (Dolores Duran) e "Lamento no Morro" (Tom e Vinícius) estão na matriz de sua arte, "Frenesi" e "Aqueles Olhos Verdes" evocam telenovela de época tipo "Ciranda de Pedra", "Barulho de Trem" (do autor quando adolescente) chama seu passado musical, os arranjos setentistas de Wagner Tiso são vagabundinhos... O artista olha o passado, entre lapsos de presente e futuro -mas é de passado que ele fala aqui, sem maiores pretensões.


Avaliação:


Disco: Crooner Artista: Milton Nascimento Lançamento: WEA Quanto: R$ 18, em média


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