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Jorge Ben e bom humor diversificam universo do cantor
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
No seio da sacrossanta MPB de
fim de século, "Crooner" até que é
disco pouco acomodado. Sua força
vem, toda, do que guarda de inusitado e inesperado na já longa discografia de Milton Nascimento.
O inesperado está bem representado por três momentos do disco:
as regravações de "Mas Que Nada"
(Jorge Ben, 63) e "Beat It" (Michael
Jackson, 82) e o pot-pourri (caracterizado como faixa-bônus) das
pândegas "O Gato da Madame",
"Edmundo" e "Cumanã".
O que há de especial neles? São
lances alienígenas ao universo do
artista. "Edmundo", versão abrasileirada de "In the Mood", com que
Elza Soares deitava e rolava nos 60,
é faísca de bom humor numa obra
sempre tão séria.
"Mas Que Nada", tema um tanto
batido, propicia o até agora inimaginável cruzamento entre Milton e
Jorge Ben -na linhagem de ampliação referencial que Milton anda vivendo, como quando cantou
"Mania de Você" com Rita Lee.
É um dueto em arranjo samba-jazz com Bebeto, do conjunto bossa nova Tamba Trio. Não deixa de
ser do universo de Milton, mas
ainda assim resulta inesperado.
Efeito parecido ocorre nas intervenções bossa-novistas dos Cariocas, no que "Crooner" se aproxima
de recente disco de Rolando Boldrin dedicado aos repertórios dos
antigos conjuntos vocais brasileiros -dos quais saiu, não custa
lembrar, João Gilberto.
"Beat It", por incrível que pareça,
é iniciativa ousada de Milton de
homenagear o ícone pop monumental que é Michael Jackson.
Funciona a versão? É claro que
não plenamente. O corinho é medonho, a percussão tenta remeter
o gringo à Bahia e falta suingue,
voz (sim, ela continua curta e abalada -ouça "Only You", o furo
n'água vocal do CD) e precisão pop
a Milton para encará-la. Mas, de
tão corajoso, faz-se mesmo assim o
que há de melhor em "Crooner".
Ele aprofunda como nunca a visita a artistas dos 80 e 90. "Não Sei
Dançar", de Alvin L., continua delicada, mas sucumbe à versão original, de 91, por Marina Lima.
"Certas Coisas" (84), de Lulu Santos, abusa de coro cafona e redundância. "Resposta" (98), de Samuel "Skank" Rosa e Nando "Titãs" Reis, vem convenientemente
transformada em rock rural.
Esta bate numa tática atual da sacrossanta MPB, de cavar sucessos
populares recostada no poderio da
Central Globo de Produções. Tal
qual aconteceu com "Sozinho"
(Caetano) e "É o Amor" (Bethânia), "Resposta" será o que será
graças à novela das sete da Globo.
De resto, "Crooner" é CD de revisão. "Castigo" (Dolores Duran) e
"Lamento no Morro" (Tom e Vinícius) estão na matriz de sua arte,
"Frenesi" e "Aqueles Olhos Verdes" evocam telenovela de época
tipo "Ciranda de Pedra", "Barulho
de Trem" (do autor quando adolescente) chama seu passado musical, os arranjos setentistas de Wagner Tiso são vagabundinhos... O
artista olha o passado, entre lapsos
de presente e futuro -mas é de
passado que ele fala aqui, sem
maiores pretensões.
Avaliação:
Disco: Crooner
Artista: Milton Nascimento
Lançamento: WEA
Quanto: R$ 18, em média
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