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GUILHERME WISNIK
Cidade Jardim ou anticidade?
Será possível fingir que pobres e ricos não se tocam e querer um futuro tranqüilo sem integração social?
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HÁ DUAS semanas, ainda sob o
alerta dos confrontos entre
o PCC e a polícia, um evento
pacífico nos alertou para aspectos
diversos da disputa urbana em pauta. Refiro-me à manifestação de 200
moradores da favela Jardim Panorama em frente à festa de lançamento do Parque Cidade Jardim, um
enorme complexo imobiliário de luxo à beira da marginal Pinheiros,
que contará com nove edifícios residenciais, quatro de escritórios e um
shopping com grifes famosas.
Em estilo neoclássico, o projeto é
assinado pelo arquiteto Júlio Neves
(também incorporador imobiliário
e presidente do Masp) e vende a
idéia de ser a ponta-de-lança de uma
nova urbanidade para os ricos, que
combina conforto, segurança, trabalho e livre ostentação do consumo.
Ao lado do futuro condomínio, está a favela, estabelecida há mais de
20 anos e com um padrão de urbanização razoável.
Mas qual era, então, o motivo da
manifestação? Como se divulgou na
imprensa, os moradores vieram
mostrar aos novos vizinhos, e à sociedade, que eles "existem". Algo
que talvez pareça óbvio, mas não é.
Pode-se dizer que as ações do PCC
tiveram, também, o mesmo sentido.
Com a diferença de que, nesse caso,
foram ações violentas generalizadas, sem orientação política ou ideológica. No caso dos moradores do
Jardim Panorama, ao contrário, se
trata de uma lição de civilidade no
"coração" da riqueza, numa ação de
resistência contra o seu previsível
aniquilamento.
Ambas, no entanto, explicitam o
abismo social crescente na cidade, a
"dinâmica de desintegração" suicida
na qual estamos metidos, cobrando
da elite um olhar sobre a questão. Isto é: será possível fingir que esses
dois mundos não se tocam e pretender um futuro tranqüilo sem qualquer resgate de um projeto comum
de integração social?
É claro que, num plano imediato,
as ações violentas aprofundam essa
divisão, reforçando o encastelamento da classe AAA em condomínios
fechados, auto-suficientes e ostentatórios. Mas será esse o projeto de
futuro da nossa elite?
Voltemos à favela. Os seus moradores estão conscientes de que a dinâmica territorial urbana é um processo de luta. E já conhecem as truculentas estratégias de intimidação
usadas em remoções anteriores, como na Operação Urbana Água Espraiada. Mas quais são as forças em
disputa? Se as "leis do mercado"
imobiliário empurram os pobres para as periferias, longe dos empregos
e serviços urbanos básicos, o poder
público é a instância que deve garantir um princípio democrático no uso
dos espaços da cidade.
Hoje, vive-se uma situação paradoxal: de um lado, as "parcerias público-privadas" tendem a privatizar
esse princípio coletivista. De outro,
os instrumentos públicos de defesa
dos interesses sociais se solidificaram, com a definição das "Zonas Especiais de Interesse Social" no Plano
Diretor e a criação do Estatuto da
Cidade. A manifestação do Jardim
Panorama é, portanto, uma aposta
na efetividade dos instrumentos democráticos. E o seu sucesso ou fracasso, um índice da viabilidade do
futuro que queremos construir.
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