São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chiclete reloaded

Antologia em 16 números com o melhor da revista "Chiclete com Banana", de Angeli, chega às bancas de SP e RS na segunda; foram selecionadas cerca de 800 páginas das 2.300 produzidas

Reprodução
Bob Cuspe, criação de Angeli para a Ilustrada em 1983, na capa do primeiro número da "Antologia Chiclete com Banana"


IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN

Nossa história começa ali, na rua Jaguaretê, logo ali, do outro lado do rio, o rio Tietê, que não fede como hoje, mas já fedia naqueles tempos. É 1966, e na banca de gibis do Manelão, na feira -as feiras daqueles tempos tinham bancas de gibi, ao lado dos tomates e das especiarias-, se encontra toda a meninada da Casa Verde. É a periferia dos anos 60, o outro lado do rio. Olha lá o Toninho Mendes, com 12 anos. Olha lá o pivete do Angeli, Arnaldo Angeli Filho, com calças curtas e 10. Olha lá os gibis do Fantasma, do Cavaleiro Negro, do Flecha Ligeira. Olha lá o "Tarzan", o "Batman Bi", a "Edição Maravilhosa".
Olha lá o Angeli com seus preferidos: "Sobrinhos do Capitão" e "Bolinha". Pois desde a tenra idade, o filho do funileiro Arnaldo selecionava os gibis de humor da banca do Manelão. Era a única coisa que lia de verdade, já que, na escola, o Angeli se destacava pelas cábulas e gazetas. Abandonou-a na quinta série, a primeira do ginásio, depois de repetir quatro vezes.
Olha lá o Toninho Mendes e o Angeli cruzando o rio. Os dois estão indo para a praça do Patriarca, no centrão, onde conseguiram emprego no Banco de Investimentos do Brasil. São office-boys e, entre uma corrida ao banco e um sanduíche de pernil, ficam enlouquecidos com o "Pasquim" (1969-1991). Olha lá o Ziraldo, o Henfil, o Jaguar, o Millôr nas páginas do "Pasquim". Olha lá o Robert Crumb sendo publicado pela revista "Grilo" (1971-1972). Olha lá o Robert Shelton dos "Freak Brothers", olha lá o Crepax e o Wolinski. Angeli lê a "Grilo" e se sente como se tivesse tomado um ácido.

Na Barão
Em 1974, Angeli se inscreve no 1º Salão de Humor de Piracicaba. Ele não ganhou, quem ganhou foi um tal de Laerte, mas olha lá a dona Hilde Weber, a primeira chargista brasileira, que desenha há um tempão no "Estadão". Olha lá a Hilde encantada com o desenho do Angeli, olha lá ela ligando pro marido, o Cláudio Abramo, ex-artista plástico e secretário de Redação da Folha. Angeli foi à Barão de Limeira mostrar seu desenho urbano, em que cidadãos com cabeças de anta tentam se desviar de uma chuva de fetos, e, aos 17 anos, ouviu do Abramo: "Quer começar quando?".
No ano seguinte, em meio a mudanças no jornal, a injeção de opiniões, a estréia da seção "Tendências/Debates", o Angeli passa a desenhar charges políticas. Assim vai até 1983, quando pede para inaugurar tirinhas brasileiras na Ilustrada. Até então, só tinha quadrinho importado (com exceção dos infantis, onde Mauricio de Sousa se destacava).
É agora que o Angeli começa a criar personagens. Olha lá o Meia Oito nas páginas da Ilustrada, olha lá o Nanico, o Bibelô, o Bob Cuspe, o Walter Ego, o Wood, o Stock, o Ralah Rikota, olha lá o sucesso da Rê Bordosa. Olha lá o Laerte e o Glauco desenhando também. E olha lá o Toninho Mendes voltando a essa história.
Toninho anda com idéias, quer lançar uma editora, a Circo Editorial, quer reunir as tiras do amigo em livrinho. Pronto, reuniu. Nossa, vendeu todos os 3.000 exemplares! E nem eram tiras inéditas, tudo coisa da Folha. Lança outro. Vendeu tudo de novo. E uma revista? Vamos fazer uma revista só de coisas inéditas, Angeli?
Outubro de 1985: "A Vida Imoral de Rê Bordosa" e "Bob Cuspe para Prefeito" estampam a capa; 28 mil cópias vendidas. Número 2, com Walter Ego na capa: 38 mil. Número 3, com Rigapov, o Idiota do Apocalipse: 40 mil. No quarto, Laerte estreou, com "Os Piratas do Tietê". No 3, tinha sido Glauco, com o "Casal Neuras no Rio". E personagens inéditos do Angeli: Rampal, o Paranormal, Benevides Paixão, Mara Tara. E Los Três Amigos. E fotonovelas. E textos anárquicos. E drogas. E um monte de mulher pelada.
Dez anos de síntese de uma época, crítica de uma geração, aflições de uma década, espírito de um tempo, ânimo definidor de um período histórico particular, "zeitgeist".
Só não resistiu a seis moedas, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro (de novo), cruzeiro real e real, sem contar a URV. E a congelamentos, hiperinflações, fiscais do Sarney, sumiço do boi gordo e a este país. O último número, o 24, saiu em dezembro de 1990. Depois vieram mais especiais, até 1995.
E agora, uma antologia com o melhor. Edição para colecionadores da Sampa e Devir Livraria. Das 2.300 páginas produzidas, incluindo edições especiais, Toninho e Angeli escolheram 800. São 16 números mensais, com 48 páginas, a R$ 5,90, que começam a chegar às bancas de SP e RS na próxima segunda (no resto do Brasil, daqui a dois meses). Depois, serão reunidas em livro. Mas tudo em papel jornal, como no original, pois, afinal de contas, é a "Chiclete com Banana", olha lá.


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: "Sou um desenhista de imprensa"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.