São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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Na horta do sr. John

Em busca de brotos e flores comestíveis diferentes, produtor é reverenciado por chefs estrelados, com quem estabelece parcerias e desenvolve novos produtos

JANAINA FIDALGO
ENVIADA ESPECIAL A CERQUILHO

No mundo ideal, todo bom restaurante teria, no fundo da cozinha, uma horta. Dali, sairiam ervas e hortaliças fresquíssimas "à la minute".
No mundo possível, os brotos e as flores comestíveis usados por um seleto grupo de chefs paulistanos vêm de uma horta orgânica que fica atrás de uma cozinha, a do carioca John Derek Orr, 64, administrador marítimo que há quase 12 anos "vive de futuro", sempre pensando em como inovar.
O sr. John -assim chamado, com reverência, por seus clientes estrelados (só chefs)- trocou a bem-sucedida carreira na indústria de contêineres pelo cultivo de ervas condimentares depois de perder o filho, John Robert, que plantava alface nas estufas do antigo haras da família, em Cerquilho (146 km de São Paulo). De lá, saem hoje as ervas, flores e produtos asiáticos da DRO -iniciais da caçula, Deborah, 22, que recentemente assumiu a empresa.
Depois das ervas, sr. John percebeu que, se não quisesse ser mais um no mercado, teria de desenvolver produtos diferenciados. Passou a oferecer "olho" (as primeiras quatro folhinhas) de manjericão, de hortelã. Depois, veio o "olho" com a flor. E, mais adiante, teve a idéia de cultivar brotos -o primeiro rebento da semente, colhido ainda bebê, de visual atraente e sabor intenso.
"Antes de lançar os brotos, levamos meses e meses. Erra, conserta, muda a semente. Dá um trabalhão danado, mas é uma delícia", conta. "Não pode ter uma folhinha rasgada, furada. Perfeito, para a gente, é ter zero de defeito. O restaurante tem uma responsabilidade grande que começa aqui."
Na outra ponta, um de seus clientes mais ilustres retribui: "Meu trabalho aqui é não estragar o que o sr. John manda perfeito", diz Alex Atala, chef do D.O.M. "O Brasil tem uma sorte tremenda de ter um cara como o sr. John. Se ele pedisse dez vez mais, eu pagaria. Vários chefs que cozinharam aqui, o Pascal Barbot, a Anne-Sophie Pic, o Alain Passard, ficaram impressionados. Perguntam se eu tenho uma horta privada."
Particulares as estufas da família Orr não são. Mas ali os chefs recebem certos mimos, como a exclusividade em alguns produtos novos por um ano, tempo necessário para adaptarem a produção e darem fluxo ao cultivo. "Esse contato com o produtor ainda não é tão comum. Quem dera fosse", diz José Barattino, chef do Emiliano, que tem exclusividade de melissa e só um outro fornecedor-parceiro, o de patos, da Ville de Feurs. "É fantástico conversar e desenvolver coisas juntos. A transferência de qualidade para o prato é imediata."
Toda a produção de broto de salsão e de flores de nirá, de mel e de ruqueta (rúcula selvática) hoje é vendida apenas ao Pomodori. "Graças a Deus [somos exclusivistas]", brinca o chef Jefferson Rueda. "Calêndula e amor-perfeito todo mundo usa. Eu queria flores de ervas. Fico enchendo a cabeça da Deborah. A gente tem que sair da rotina."
Foi assim, sob pressão, que nasceu o broto de salsão. "O Jeffinho falou umas 80 vezes que queria porque queria. Já tínhamos testado uns 12 tipos de semente, e nenhuma tinha dado certo. Levou quatro meses para conseguirmos produzir. Quando cheguei com o bendito broto, ele quase morreu", brinca Deborah. "Tem chef que cobra coisa nova o tempo todo: "O que mais você tem? Já faz um mês que não traz nada novo!'"
Isso quando eles não resolvem ligar, tarde da noite, para tirar dúvidas sobre uma flor comestível -linha que é a menina-dos-olhos do sr. John e que, em breve, terá novidades. "O subchef do Alex me ligou às dez da noite querendo saber qual era a flor de "cabelinho verde e cheiro de queijo". Lá fui eu, de lanterna, cheirar flor por flor. Era a verbena. E não é que tem cheiro de queijo mesmo?"

Em se plantando tudo dá
Quando bateu na porta do D.O.M., há oito anos, o sr. John ouviu um desafio: produzir coisas diferentes. "Ele aceitou, e eu pedi muitas coisas. Na relação de troca, estou em vantagem. Entrego menos do que ele me fornece", diz Atala.
Mas, das mãos do chef, os Orr já receberam muda de ora-pro-nóbis e semente de jambu. De Ina de Abreu, chef do Mestiço e uma das clientes mais antigas, ganharam semente de manjericão tailandês. Do Aizomê, veio uma muda de mitsuba -um tipo de trevo japonês. "Eles não só fornecem como dão liberdade de a gente trazer coisas para cultivarem", diz Rueda. "É a horta que eu não tenho no fundo do meu restaurante."

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