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CRÍTICA CONTOS
Herta Müller flagra desterro existencial na Romênia
Vencedora do Nobel introduz perversões na rotina dos vilarejos do país
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
O título "Depressões", do
livro de contos de Herta Müller, não diz respeito a transtornos psíquicos. A expressão original alemã, "Niederungen", significa "terras
baixas" -e se refere às depressões geográficas da região de Banat, na Romênia,
reduto de uma população de
origem alemã na qual nasceu
a ganhadora do Nobel de literatura em 2009.
Mas a ambiguidade introduzida no título brasileiro é
um desses casos em que a
tradução ajuda a iluminar o
texto de partida.
Um estado de luto que tinge coisas e seres com tonalidades lúgubres, cancelando
os limites entre o vivo e o inanimado: este é o traço das
narrativas do livro.
É grande a tentação de relacionar a atmosfera dos contos à ditadura de Ceausescu
(1918-1989) -que em 1982
censurou esse livro de estreia
de Müller.
Suas obras posteriores poderiam confirmar tal juízo.
No romance "O Compromisso", o relato de uma operária
assediada por um agente da
polícia, que a convoca para
sucessivos depoimentos,
ecoa "O Processo", de Kafka.
À diferença do escritor
-que infunde na realidade
burocrática uma ordem oculta e abstrata-, Müller traz o
absurdo para o plano de uma
subjetividade em estado de
depressão pós-trauma, e que
(como em Kafka) não pode
ser reduzida a uma situação
histórica objetiva.
DEFORMAÇÕES
Seus contos se passam numa espécie de presente absoluto, limitam-se a descrever
situações estanques, indicando a impossibilidade de
rearticular a cadeia daquilo
que foi recalcado.
O velório do pai, profanado por boatos de que fora um
estuprador ("O Discurso Fúnebre"); o repugnante rodízio da família na banheira
("O Banho Suábio"); os incêndios provocados por surtos de loucura ("O Homem
com a Caixa de Fósforos").
Os contos flagram a rotina
de vilarejos em que "o crepúsculo está no rosto das
pessoas", para nela introduzir deformações.
No melhor conto do livro,
"Crônica da Aldeia", a ingênua descrição da comunidade pela jovem narradora é
uma forma irônica de nomear o inominável: ela vai
explicando como se chamam
as coisas ali ("a cooperativa
de consumo, que na aldeia é
denominada loja"; "a nacionalização, que na aldeia se
chama de expropriação"),
para desconstruir os sentidos
coagulados na língua e expor
as conveniências e perversões que vicejam nesse ambiente de estranhamento cultural, repressão política e
desterro existencial.
DEPRESSÕES
AUTOR Herta Müller
TRADUÇÃO Ingrid Ani Assmann
EDITORA Globo
QUANTO R$ 29,90 (162 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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