São Paulo, sábado, 05 de junho de 2010

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CRÍTICA CONTOS

Herta Müller flagra desterro existencial na Romênia

Vencedora do Nobel introduz perversões na rotina dos vilarejos do país

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

O título "Depressões", do livro de contos de Herta Müller, não diz respeito a transtornos psíquicos. A expressão original alemã, "Niederungen", significa "terras baixas" -e se refere às depressões geográficas da região de Banat, na Romênia, reduto de uma população de origem alemã na qual nasceu a ganhadora do Nobel de literatura em 2009.
Mas a ambiguidade introduzida no título brasileiro é um desses casos em que a tradução ajuda a iluminar o texto de partida. Um estado de luto que tinge coisas e seres com tonalidades lúgubres, cancelando os limites entre o vivo e o inanimado: este é o traço das narrativas do livro.
É grande a tentação de relacionar a atmosfera dos contos à ditadura de Ceausescu (1918-1989) -que em 1982 censurou esse livro de estreia de Müller.
Suas obras posteriores poderiam confirmar tal juízo. No romance "O Compromisso", o relato de uma operária assediada por um agente da polícia, que a convoca para sucessivos depoimentos, ecoa "O Processo", de Kafka.
À diferença do escritor -que infunde na realidade burocrática uma ordem oculta e abstrata-, Müller traz o absurdo para o plano de uma subjetividade em estado de depressão pós-trauma, e que (como em Kafka) não pode ser reduzida a uma situação histórica objetiva.

DEFORMAÇÕES
Seus contos se passam numa espécie de presente absoluto, limitam-se a descrever situações estanques, indicando a impossibilidade de rearticular a cadeia daquilo que foi recalcado.
O velório do pai, profanado por boatos de que fora um estuprador ("O Discurso Fúnebre"); o repugnante rodízio da família na banheira ("O Banho Suábio"); os incêndios provocados por surtos de loucura ("O Homem com a Caixa de Fósforos"). Os contos flagram a rotina de vilarejos em que "o crepúsculo está no rosto das pessoas", para nela introduzir deformações.
No melhor conto do livro, "Crônica da Aldeia", a ingênua descrição da comunidade pela jovem narradora é uma forma irônica de nomear o inominável: ela vai explicando como se chamam as coisas ali ("a cooperativa de consumo, que na aldeia é denominada loja"; "a nacionalização, que na aldeia se chama de expropriação"), para desconstruir os sentidos coagulados na língua e expor as conveniências e perversões que vicejam nesse ambiente de estranhamento cultural, repressão política e desterro existencial.


DEPRESSÕES

AUTOR Herta Müller
TRADUÇÃO Ingrid Ani Assmann
EDITORA Globo
QUANTO R$ 29,90 (162 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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