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PERFIL BILL CLEGG
Meus lugares escuros
Agente literário americano que quase perdeu carreira
em ascensão para o vício em crack e garotos de programa lança autobiografia sobre a experiência, volta ao mercado livreiro e prepara nova obra sobre as recaídas que teve logo após a saída da clínica de reabilitação
DENNY LEE
DO "NEW YORK TIMES"
Billy Clegg, agente literário e usuário de crack em recuperação, procura um assento no bar da cobertura do
Gansevoort Hotel. "Esta é a
primeira vez que volto aqui."
A afirmação alude a um
episódio sórdido no qual se
registrou no hotel sob nome
falso e passou três semanas
em orgias regadas a crack,
garotos de programa e vodca.
Parecia que o mundo literário nova-iorquino inteiro tinha testemunhado o fato.
Editores cochichavam, escritores transmitiam fofocas
e revistas especializadas publicavam notinhas citando
"razões pessoais" para o sumiço de Clegg. O assunto virou um livro de memórias,
"Portrait of an Addict as a
Young Man" (retrato de um
viciado quando jovem).
Com lançamento previsto
para o próximo mês, o livro
acompanha o mergulho no
consumo de crack em 2005,
quando Clegg parou repentinamente de aparecer na
agência literária que fundou,
Burnes & Clegg, deixando escritores, sócia e namorado.
Boa parte da história
transcorre em uma catacumba de hotéis chiques que
Clegg converteu em antros
sofisticados de crack, dando
cabo de quase US$ 70 mil.
Não é uma história original, mas é relatada em detalhes lancinantes e em tom
pragmático que não corresponde ao horror real.
Houve a primeira vez em
que ele experimentou crack
("Tem sabor de remédio ou
fluido de limpeza, mas também é um pouco doce, como
limões"). O encontro com um
taxista ("Quero o esquecimento borrado do sexo que
deixa o corpo exaurido").
Ou a vez em que o namorado o assiste fumar crack e
transar com um garoto de
programa brasileiro ("Vergonha, prazer, preocupação e
aprovação colidem e o pior
do pior deixa de parecer tão
ruim assim").
Igualmente dolorosos são
os flashbacks em que ele retorna a uma infância atormentada por uma bizarra incapacidade de urinar quando quisesse. "O menino é um
bicho em pânico -saltando
espasmodicamente e beliscando-se diante do vaso."
SEGREDOS
Os dois fios narrativos podem parecer desconexos,
mas, escondidos na persona
cuidadosamente cultivada
de Clegg (o agente talentoso,
dotado de ouvido discernidor; o anfitrião sofisticado; o
agente editorial -estavam
esses segredos monstruosos.
E, amplificando-os, inseguranças arraigadas quanto
às condições de fazer sucesso
em uma cidade onde todos
pareciam ser mais ricos, nascidos em famílias melhores e
formados em universidades
mais tradicionais que ele.
"Parecia que todos tinham
um padrinho que era algum
editor famoso, ou então que
passavam seus verões no
Maine com escritores famosos", diz Clegg, que cresceu
na zona rural de Connecticut,
é filho de um piloto da TWA e
estudou no Washington College, uma instituição pequena em Maryland.
Ele se recorda de fazer visitas a Nova York quando tinha
20 anos e sentir-se um peixe
fora d'água. "Éramos tão não
sofisticados. Comíamos comida chinesa em Murray Hill
e achávamos a coisa mais
glamourosa."
Depois de fazer o curso
Radcliffe Publishing em
1993, Clegg conseguiu emprego de baixo escalão na
Robbins Office, que representava muitos escritores da
"New Yorker", e se mudou
para Nova York. "Quando comecei, não sabia a diferença
entre a revista "New York" e a
"New Yorker"."
Mas não demorou a ser
promovido a agente. Clegg
permaneceu na Robbins até
2001, quando partiu para
abrir uma pequena agência
própria com Sarah Burnes,
amiga que conheceu nos círculos editoriais.
A ascensão foi rápida, mas
a queda seria quase suicida.
No início de 2005, depois de
um espasmo de consumo de
vodca, um traficante de crack
e um vidro de soníferos, sua
vida implodiu. A agência literária se dissolveu. O namorado com quem estivera havia
oito anos se foi.
REDENÇÃO
Todo bom livro de memórias sobre um vício oferece
também a redenção: a de
Clegg, previsivelmente, foi
uma clínica de reabilitação.
Lá, escreveu o diário que,
mais tarde, se converteria em
seu livro de memórias.
A obra passa propositalmente por cima do fato de
que, depois do internamento, Clegg se mudou para um
apartamento em Chelsea, onde vendeu duas fotos de William Eggleston por US$ 20
mil para financiar recaídas.
"Os mesmos motoristas de
táxi. A mesma paranoia. O
mesmo desejo de morrer."
Mas, um dia, ele parou.
Ao longo de duas horas,
ele mapeia o arco de sua vida
pós-reabilitação: as reuniões
do programa de 12 passos, o
fato de continuar solteiro e
como abriu caminho para ser
agente literário novamente.
Espantoso foi o grande número de escritores que o seguiram para a William Morris, incluindo os que tinham
se transferido para outras
agências, entre eles Heather
Clay, autora de "Losing Charlotte", e Nick Flynn, autor de
um livro de memórias cujo título explícito não pode ser
publicado aqui.
Eles elogiam a facilidade
de Clegg de penetrar na cabeça de um escritor, o manuseio delicado de manuscritos
e as tratativas pragmáticas e
intransigentes com editoras.
"Ele era um leitor quase
ideal", disse Salvatore Scibona, um dos primeiros autores
a voltar a fechar contrato
com Clegg. "Fez a leitura
mais profunda do livro que
jamais alguém fez."
Clientes também dizem
que Clegg se mostra como escritor, ele próprio -introspectivo e comedido-, não
sendo afeito às pretensões e
ao histrionismo usuais dos
agentes. Isso ficou claro
quando a notícia de que o
próprio Clegg estava escrevendo um livro vazou.
JORRO
Clegg escreveu a maior
parte do livro na fazenda de
um amigo. Ele disse que se
prendeu à mesa da cozinha
por três semanas até ter 130
páginas prontas. "A coisa
mais ou menos jorrou de
mim, como uma transcrição", disse.
Até o final daquela semana, Walsh já tinha vendido o
manuscrito à Little, Brown.
Consta que Clegg teria recebido um adiantamento de
US$ 350 mil, valor impressionante para um escritor de primeira viagem (Walsh não
confirmou esse número).
Em janeiro, também assinou contrato para um segundo livro, intitulado temporariamente "90 Days" (90
dias), que vai explorar as semanas pós-internação.
Quando a entrevista no
hotel finalmente termina,
Clegg parece estar aliviado
porque não foi derramado
sangue algum.
Com o sol se pondo sobre o
rio Hudson, veste o casaco e
volta para casa a pé.
Tradução de CLARA ALLAIN
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