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MUTANTES
"Technicolor" seria dos LPs mais marcantes dos 70
da Reportagem Local
Quem quer que ouça "Technicolor" hoje, 27 anos após sua gravação, será forçado a admitir: o álbum que não houve dos Mutantes
teria tudo para ser um dos mais
marcantes e influentes concebidos
por artistas brasileiros nos 70.
Pior: ele tinha nível -técnico e
artístico- internacional. Se a
idéia mirabolante de lançamento
no exterior tivesse vingado, não é
difícil imaginar que o pequeno
"boom" vivido hoje lá fora acontecesse então, em instante de existência e auge criativo da banda que
é ainda o maior evento pop já testemunhado pelo Brasil.
A história da MPB provavelmente teria seguido outro curso. Mutantes em "Technicolor" são
mais impactantes do que os Beatles (então já finados) conseguiam
ser em seus anos finais.
No próprio Brasil, explosão tropicalista à parte, não havia -e não
houve, até hoje- nada que se
aproximasse da revolução criativa
promovida pelos Mutantes.
O Brasil vivia anestesiado por
batalhas entre cantores de protesto e cantores alienados, depois pelo AI-5. Não havia tempo nem
perspectiva para que se antevisse
aqui uma entidade que dava seus
primeiros passos -a pop art, que
com o Velvet Underground do
mecenas Andy Warhol já ensaiava
sua entrada no cenário musical.
Quem desempenhava tal papel
eram os tropicalistas -e os Mutantes, tradicionalmente, são tidos
como mascotinhos do movimento. Invertida a perspectiva comum, pode se notar Gilberto Gil e
Caetano Veloso sorvendo intelectualmente o caldo espontâneo em
que Mutantes estavam mergulhados, rumo à música pop de primeira grandeza.
Tudo isso até hoje o subdesenvolvimento brasileiro -se os dirigentes de gravadoras são cidadãos
brasileiros representativos- teima em ignorar. Mutantes nunca
foram bons vendedores de discos,
e isso a PolyGram sabe mais do
que ninguém. O caso é que isso
não interessa. Privar público e artistas brasileiros de "Technicolor" é sonegação, sequestro.
Pois ali o que se encontra é lição
de pop vanguardista, do início ao
fim. Nas mãos de um produtor experiente (Bee Gees à época eram
bons aprendizes de Beatles, não
esqueça) e de um estúdio de primeira, os Mutantes se mostraram
capazes de produzir um prodígio.
Tudo é impecável em "Technicolor". Os arranjos instrumentais
são uma pletora, um transbordamento de soluções criativas a despejar em ouvidos virgens saberes
tropicalistas, tropicais.
"Bat Macumba", o poeminha
concreto de Caetano e Gil, é um
espanto. Rita, Arnaldo e Sérgio
aparecem enlouquecidos, improvisando, simulando brincadeiras
sexuais (Rita, mais que os outros,
chega a simular um orgasmo brejeiro, de causar inveja a qualquer
Gretchen do pedaço) -pleno 71.
Cantando, também. Coros de
vozes afinadas, ensaiadas, às raias
da perfeição predominam em total
harmonia. Rita, principalmente,
revela-se, para quem ainda não
soubesse, intérprete de tino, com
mil soluções inspiradas prontas na
manga por segundo.
Talvez a intérprete mais inteligente dos 90, Marisa Monte, nunca tenha ouvido "Technicolor"
(ouviu por certo os cinco geniais
álbuns brasileiros dos Mutantes)
-mas é ali, na voz ginasiana de
Rita, que reside metade do
bem-cantar da moça.
As versões para o inglês são impagáveis. A obra-prima "Minha
Menina", de Jorge Ben, devia causar pontos de interrogação na testa de cada gringo que a ouvisse.
"Ela é minha menina" vira "oba,
oba, she's my shushu", pode?
"Ando Meio Desligado" torna-se "I Feel a Little Spaced Out"
-precisa título mais tecno? A
nordestina "Maria Fulô" continua uma orgia, mas aqui mais lânguida, infantilizada, uma lambida
do Brasil no Primeiro Mundo.
"Panis et Circensis" vem forrada de onomatopéias -"cra-cra-
cra-cra, suiuiuiu", mas não pense
nunca em Mamonas. Logo em seguida, surgem vocais doídos, dramáticos, Arnaldo em destaque ao
fundo -eles podiam tudo.
Procure o nível de excelência ali
configurado em Chico Science,
Marisa Monte, Fernanda Abreu,
Carlinhos Brown, Skank ou quem
quer que seja. Não há.
Nem é por nomes como os de cima que a PolyGram mete a viola
dos Mutantes dentro do saco. As
prioridades que inviabilizam o desenlace de "Technicolor" são da
natureza de É o Tchan, Banda Eva,
Cheiro de Amor -todos colegas
de selo dos Mutantes vendendo
milhões de cópias, enquanto gaviões tipo David Byrne tomam
conta do pedaço. Viva o Brasil.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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