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Antologia recolhe lírica brasileira contundentemente pessoal
GUY BENNETT
especial para a Folha
A antologia bilíngue "Nothing
the Sun Could Not Explain" reúne
três gerações de poetas cujos trabalhos refletem as principais tendências da poesia brasileira nos últimos 30 anos.
Começando com trabalhos do
movimento tropicalista dos anos
60 e prosseguindo através da poesia atual, os editores Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher seguem a trajetória da poesia
contemporânea.
Em comparação com a poesia
concreta, austera e frequentemente impessoal, que dominava a cena
brasileira nos anos 50, a "poética" aqui apresentada é contundentemente pessoal e familiar.
Ela se distancia da investigação
visual e formal do concretismo,
enfocando, ao contrário, um tipo
de lírica.
Salvo duas peças visuais, que parecem estranhamente fora de lugar
neste contexto, a antologia caracteriza-se por uma exploração radical da forma de verso curto.
Embora o verso curto seja, aqui,
de fato, a unidade poética básica, o
trabalho é surpreendentemente
diversificado, graças à cuidadosa
experimentação por parte de muitos dos poetas.
Das construções verbais compactas de Paulo Leminski às peças
expansivas de Josely Vianna Baptista e às linhas alongadas e quebradas de Waly Salomão, muitas
vozes distintas podem ser ouvidas,
criando uma polifonia que enriquece toda a coleção.
Enquanto várias abordagens são
evidentes, estilística e tematicamente, a poesia parece gravitar em
torno de dois pólos: por um lado, o
da poesia direta e coloquial, muitas vezes marcada por fortes tendências antiestéticas; por outro lado, uma poesia introspectiva,
consciente de si, que, com frequência, examina questões da língua e da escrita, e, ao fazê-lo, dialoga em sentido amplo com outras
culturas.
O primeiro modo, típico tanto
do tropicalismo, quanto das poéticas "marginais" dos anos 60 e 70,
é exemplificado pelo trabalho de
vários poetas, notadamente Torquato Neto, Paulo Leminski e Ana
Cristina César.
Esses compartilham o gosto pelo
familiar e cotidiano, por uma linguagem informal, ressoando um
inventivo "ethos urbano".
Talvez sob a influência da música
popular brasileira, seus poemas,
muitas vezes, parecem canções de
amor que não funcionaram
-marcados como são pelo pessimismo subjacente e sentido de desespero, como neste poema de
Ana Cristina César: "é muito claro/ amor/ bateu/ para ficar/ nesta
varanda descoberta/ a anoitecer
sobre a cidade/ em construção/ sobre a pequena constrição/ no teu
peito/ angústia de felicidade/ luzes
de automóveis/ riscando o tempo/
canteiros de obras/ em repouso/
recuo súbito da trama".
Nas mãos de Leminski, um dos
poetas mais fortes aqui apresentados, essas "linhas frágeis" colapsam em si mesmas, adquirindo
uma intensidade, e, por vezes,
uma brutalidade, que é atenuada
apenas por breves flashes de humor e ironia autodepreciativa.
Um sarcasmo que não perdoa,
sentido em boa parte do trabalho,
tem seu campeão em Leminski.
Embora ele tenha começado escrevendo poesia concreta (1960),
rapidamente ele criou um estilo
bastante pessoal, temperado pela
contracultura que, crescentemente, moldou a ele e seu trabalho.
Uma voz forte, original, ele se move da concisão do haicai ("lua à
vista/ brilhavas assim/ sobre
Auschwitz?") às composições de
sabor retórico que beiram o silogismo, como a peça da qual a antologia retira seu nome: "nada que o
sol/ não explique/ tudo que a lua/
mais chique/ não tem chuva/ que
desbote esta flor".
Ou, o seguinte poema, ainda
mais potente: "um dia/ a gente ia
ser Homero/ a obra nada menos
que uma Ilíada/ depois/ a barra pesando/ dava pra ser aí um Rimbaud/ um Ungaretti um Fernando
Pessoa qualquer/ um Lorca um
Éluard um Ginsberg/ por fim/ acabamos o pequeno poeta da província/ que sempre fomos/ por trás de
tantas máscaras/ que o tempo tratou como as flores".
Em contraponto a essa poesia de
"tom" autodegradante, autodestrutiva, sem sentido pejorativo,
soa uma segunda voz, atenta ao
seu status de fato literário e de seu
lugar dentro de um contexto mais
amplo da cena internacional.
Como muitos dos poetas aqui
são tradutores (Nelson Ascher,
Régis Bonvicino, Duda Machado,
Júlio Castañon Guimarães e Josely
Vianna Baptista), seus trabalhos
refletem, nesse ângulo, o mundo
em que vivem. Por toda a antologia
escutavam-se ecos de Mallarmé
("Nada, esta espuma", de Ana
Cristina César), Lorca ("Verdura", de Paulo Leminski), Rimbaud ("Teatro Ambulante", de
Duda Machado), entre outros.
Frequentes alusões a mais outros
escritores e artistas plásticos -como em "A desordem de", Régis
Bonvicino, ("...Pábulo de vermes
Picasso/ colecionava picuá de barro/ decorado com cabra...")-
servem como "hiperligações" a
uma rede vasta e multicultural, conectando a poesia brasileira às várias literaturas "estrangeiras".
Não quero dar a impressão que a
poesia brasileira, como representada nesta antologia, é desesperançosamente morosa ou imperturbavelmente cínica.
Ao contrário, há uma inegável
exuberância nos trabalhos, um
frescor e vibração que ressoam por
toda parte, embora temperada,
por vezes, com mordaz ironia.
Curiosamente, essa exuberância
está melhor expressa, de meu ponto de vista, em poemas reflexivos,
tipo "natureza-morta", aqueles
que exploram um espaço fechado,
íntimo, no qual celebram a alegria
potencial -se frágil e transitória- do momento em mãos.
Essas peças são frequentemente
caracterizados por sua forte sensualidade que parece transpirar
das imagens, tomando o poema e o
leitor. Elas variam de abertamente
sexuais, "o que se perdeu?", de
Júlio Castañon Guimarães e "Máquinas", de Nelson Ascher, a um
erotismo indeterminado de "castanhas, mulheres", de Claudia
Roquette-Pinto: "se abertas/ com
a destra surpresa/ de pequenas
mãos/ cegas a tal alfabeto/ e a nesga -já marron/ de pele fere/ mais
que a tolice dos espinhos/ vê como/ o gomo lateja:/ ela e ela/ desabotoa/ entre os dedos". A exuberância dessas linhas, unidas com o
brilho fugaz, sensual das imagens
-qualidades comuns a muitos
dos poemas presentes a "Nothing
The Sun Could Not Explain"- revela ainda um outro aspecto da
poesia contemporânea brasileira
que não poderia deixar de ser
mencionado: o de uma escritura
intensamente bonita e mentalmente táctil, que "desabotoa entre os dedos" do leitor atento.
Livro: Nothing the Sun Could Not Explain
Organização: Michael Palmer, Régis
Bonvicino e Nelson Ascher
Lançamento: Sun & Moon Press
Quanto: US$ 15.95 (312 páginas)
Onde encomendar - Livraria Cultura: av.
Paulista, 2.073, tel. 011/285-4033 ou na
Internet, na Amazon Books (www.amazon.com)
Guy Bennett é poeta, tradutor, músico, autor
de "Last Words" (Sun & Moon Press) e diretor
da coleção "Seeing Eyes Books"
Tradução Claudia Miranda Gonçalves
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