INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Excesso de sensibilidade à luz é o mal de que sofrem Anne e Nicholas, os filhos de Nicole Kidman em "Os Outros".
Aplicada ao negativo dos filmes, o excesso de luz provoca veladura. Onde se fotografou uma pessoa, o que aparece é uma superfície branca. Quem já teve uma câmera fotográfica na mão conhece o problema e, sobretudo, a decepção: onde deveria haver alguém (em geral uma pessoa querida) não há ninguém.
Alejandro Almenábar, diretor chileno cuja carreira se desenvolveu inicialmente na Espanha, busca nesse fenômeno em princípio banal decorrências originais.
Estamos numa história de casa mal-assombrada. Uma mulher espera, na companhia dos filhos, pelo retorno do marido, desaparecido na Segunda Guerra Mundial. Sua casa, no interior da Inglaterra, vive fechada de maneira maníaca, por causa das crianças. São as próprias crianças que começam a ver fantasmas no local.
Almenábar consegue, do ponto de vista estritamente técnico, conduzir muito bem a emoção do espectador. Ora estamos às voltas com um lugar calmo no campo, ora com uma mãe que protege seus filhos, ora com crianças um tanto diferentes do habitual.
Até que a horas tantas perguntamos: mas com o que estamos às voltas, afinal?
Desde então sabemos que Almenábar nos conduz por um território desconhecido, o do fantástico, que joga com nossas expectativas, que suscita nosso medo. Mas não é tanto isso que chama a atenção e fascina nesse filme. É algo que vai além do gênero ou da técnica, que é o sentimento de profunda insegurança (sobre as coisas, nós e os outros) e a desolação deste nosso mundo de fantasmas. Dessa estupefação do mundo Almenáber nos leva a partilhar em seu belo filme.