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"COSMÓPOLIS"
Quando a vida escapa como um espectro
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
"Um espectro ronda o mundo..." Arremedando a frase inicial do "Manifesto Comunista", de Marx e Engels, os militantes antiglobalização que tomam
conta da Times Square, em Nova
York, também inscrevem no painel eletrônico da Nasdaq a seguinte continuação: "... O espectro do capitalismo".
A violenta manifestação, que
ocupa o centro de "Cosmópolis",
inclui até uma auto-imolação pelo
fogo à moda hindu. Por ela passa
o megainvestidor Eric Packer, que
saíra de casa disposto a cortar o
cabelo e a compreender o comportamento do iene. Em sua feérica jornada de 24 horas pelas ruas
de Nova York, a bordo de uma superlimusine que lhe serve de escritório, Eric consegue atingir, ao
menos parcialmente, os dois objetivos. Mas o custo será alto.
Se Nova York é a capital do
mundo globalizado, o investidor é
um de seus titãs. Inteligente, obsessivo, cruento, ele é comparado
a um homem primitivo. A sequência lógica dos negócios é o
assassinato, dizem. Mas o culto à
tecnologia e aos dados impele Eric
a procurar padrões harmoniosos
sob a barbárie mercantil. Contrariando as previsões, porém, o iene, contra cuja cotação ele especulara maciçamente, em vez de
cair, não pára de subir.
A resposta para o enigma estaria dentro do personagem. Ele
descobre, num check-up médico,
que sua próstata é assimétrica.
Em vez de procurar a simetria dos
eventos, deveria ter-se preocupado em sondar a assimetria essencial que marca a vida e a si próprio. Mas a resposta chega tarde.
Eric é o bode expiatório do capitalismo. Ele precisa ser imolado para que o sistema volte a equilibrar-se. Sua arrogância cega provoca-lhe a ruína nesta história ao
mesmo tempo cômica e trágica
-e, como nas tragédias gregas,
circunscrita a 24 horas.
O leitor não deve buscar aqui
coerência psicológica ou verossimilhança. Os personagens agem
segundo uma vontade alheia e superior a eles, a qual atende a um
esquema de narração onde tudo
se encaixa. Com desenvolvimento
e concatenação rigorosos, os episódios moldam-se à mesma lógica que, no plano fabular, causa a
queda de Eric: a simetria. "Cosmópolis", como narrativa, é impecável e simétrica, sem fios soltos. Por isso mesmo, a vida, cujo
significado tanto confunde o protagonista, escapa como um espectro por entre as páginas.
Cosmópolis
Autor: Don DeLillo
Tradutor: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 30 (198 págs.)
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