São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

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Sob o sol do México

O escritor mexicano David Toscana, que virá ao Brasil para participar da Festa Literária de Parati, retoma o deserto no recém-lançado "Santa Maria do Circo"

Reprodução
"Ginete", fotografia do escritor Juan Rulfo (1917-1986), que está em "México" (ed. Lunwerg)


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ele está no deserto, andando de bicicleta." Foi essa resposta inusitada que escutei ao telefone quando procurei por David Toscana em sua casa, na cidade mexicana de Monterrey.
No deserto? Sim, pois vagar pelos territórios desérticos do México é um passeio mais do que comum para esse escritor de 45 anos que virá ao Brasil participar da Festa Literária Internacional de Parati, em agosto. É na solidão dessa paisagem que ele prefere ambientar seus romances. "Gosto de ouvir os ruídos da noite aqui, como o do animal que rodeia o seu acampamento e o ameaça. São sons que nos remetem a temores primitivos", contou Toscana à Folha, por telefone, quando enfim parou num vilarejo e pôde retornar as mensagens. "Os medos que as pessoas têm no deserto são muito diferentes das preocupações que nos assaltam nas cidades, onde temos de pensar em outras coisas, por exemplo, se vamos ou não conseguir pagar o plano de saúde."
Nessa afirmação, não é difícil ver embutida uma crítica aos colegas de geração de Toscana.
Especialmente aqueles que tentam se aproximar do universo urbano da América Latina -para tentar fugir do "fantasma" do realismo mágico- e, na opinião do escritor, acabam perdendo o foco do principal objeto da literatura, o homem.
O mexicano também virá para lançar "Santa Maria do Circo", seu segundo romance publicado aqui. Nele, um circo chega a um povoado fantasma.
"Tive a idéia num dia como hoje, passeando por cidades semi-abandonadas. Me perguntei o que aconteceria se um circo chegasse àquele lugar."
No livro, os irmãos proprietários do tal circo brigam, parte da trupe tem de ficar no povoado e "funda" ali Santa Maria do Circo. Mas declarar a existência de uma cidade não basta, e os artistas (anões, mágicos, mulher barbada etc.) têm de dividir responsabilidades para criar uma sociedade "real".
Toscana conta que não tinha um plano prévio. "Quando cada artista tira, de dentro do chapéu do mágico, os papéis que definem quais as tarefas cada um passaria ter, eu mesmo fiz um sorteio particular, com papeizinhos, para definir o rumo dos personagens", conta, como quem se diverte com o próprio brinquedo.
As coisas começam a complicar quando os problemas de convivência e de administração de uma cidade real vão tomando forma. A começar pela necessidade de criar uma história para Santa Maria do Circo.
"Quando é a festa do padroeiro? Quem manda aqui? Que rua é esta?", pergunta um personagem, expondo apenas uma entre tantas questões a serem enfrentadas. "Os artistas se sentem perdidos, pois eles não conhecem outros ofícios que não os de palhaço, mágico etc."
O que seria uma realidade para qualquer um que viva numa cidade, para aquele grupo passa a ser uma irrealidade total. "Eles têm de usar a imaginação, pois só assim Santa Maria do Circo pode existir a partir de um casario onde não há nem água nem comida nem quase nada. Eles não têm ferramentas, nem mentais nem físicas, para lidar com aquilo."
No ano passado, a editora Casa da Palavra já havia lançado aqui outro livro do autor, "O Último Leitor", que se passava também num povoado desolado onde um bibliotecário destruía livros que achava medíocres jogando-os às formigas e baratas. Curiosamente, naquele romance, "Santa Maria do Circo" é um dos que é submetido a esse rigoroso censor. A cena, conta Toscana, é uma referência aos jogos metalingüísticos de Miguel de Cervantes em seu "Dom Quixote".

Juan Rulfo
Além do espanhol, o escritor menciona o conterrâneo Juan Rulfo entre suas influências. "Rulfo é um dos meus pais literários, por questões geográficas e estéticas", diz. Por questões estéticas, entenda-se o gosto por frases curtas e episódios breves, como que a refletir o panorama desértico onde se passa a própria história. Quanto à opção pelo deserto em si, o autor explica: "Nele, o homem é levado a um estado primitivo, em que é possível explorar os mistérios da condição humana".
O mundo urbano o incomoda? "Sim, há esses novos escritores que agora só falam de carros e de semáforos. Ou seja, a parte justamente não humana e frívola da existência. No deserto, voltamos às pedras e ao pó. O homem não pode sentar e tomar um martíni porque tem que sofrer para conseguir um trago de água."
E você nunca escreve sobre a sua cidade, Monterrey? "Sim, mas, sempre que começo, ela se transforma numa comunidade de cavernas [risos]."

SANTA MARIA DO CIRCO
Autor:
David Toscana
Tradução: Maria Alzira Brum Lemos
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 37 (220 págs.)


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