São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

"Enlarge your PIB"

Lula é um vitorioso na guerra da seleção natural; tem um incrível instinto de sobrevivência -ou político

HÁ MUITO tempo não encontrava meu bom amigo tucano. Na verdade, andamos nos vendo esporadicamente em alguns eventos da numerosa agenda noturna paulistana. Encontrava-o com mais assiduidade durante o reinado de Fernando Henrique Cardoso, o príncipe da moeda. Naqueles idos, costumava vê-lo pelas alamedas dos Jardins, com seu pulôver de cashmere amarelinho e bico imponente.
Não raro, convidava-me para um copo de vinho num bistrô. Os tucanos de boa cepa, como sabemos, mantinham um ar afrancesado, republicano, social-democrata e "etceterrá" -embora muitos, no íntimo, já tivessem, antes mesmo de sua existência, optado por Sarkozy.
Mas não foi um bistrô desta vez nosso ponto de encontro. Acolheu-nos uma padaria. Sim, uma padoca. Claro que uma padoca tucana, Primeiro Mundo, uma verdadeira "boulangerie" , com automóveis importados na porta, pulsos com Rolex abraçando baguetes e até um exemplar do "Monde" largado num canto.
Faço aqui um parênteses: já vinha observando que as padarias de São Paulo, numa velocidade notável, vêm tomando um banho de loja. Há uma prosperidade, ao menos nas padarias.
Foi isso o que eu disse, para quebrar o gelo, tão logo nos sentamos à mesinha. "Parece que também há prosperidade nos aeroportos", soltou ele num resmungo sardônico. Ia sugerir que meu amigo relaxasse e gozasse, mas ele já desfiava seu rosário de queixas sobre o PT e o governo Lula. Ouvi-as ora com plena aprovação, ora com tédio, ora com a sensação de que meu amigo tucano estava com uma tremenda dor de cotovelo pelo fato de o PIB do Lula estar em alta. "Enlarge your PIB", sugeri em tom de deboche. Ele sorriu e desabafou: "O Lula, meu amigo, é acima de tudo um tremendo rabudo. Como esse cara tem sorte".
É difícil discordar, mas argumentei que não era só isso. Lula é um vitorioso na guerra da seleção natural. Tem um incrível instinto de sobrevivência -o que, em seu habitat, traduz-se em "instinto político".
Quatro anos e meio depois de chegar ao poder, aliando, sangue frio, dissimulação, jogo pesado, carisma, sorte e escolhas "neoliberais", sempre temperadas com contrapartidas "populares", ele quebrou a lógica que presidiu a política brasileira nas últimas décadas: a do embate entre uma esquerda "ameaçadora" e o salvador "anti-Lula".
Hoje, a idéia de um anti-Lula não faz mais nenhum sentido. Ele mesmo já acumula esse cargo. "Voilà", concordou meu amigo tucano, enquanto mastigava seu croissant.


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