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NINA HORTA
Eucaristia
Meu leitor quer uma mesa que nutra a todos, sem problemas de raça e gênero, política e poder
H
OJE VOU relembrar meu leitor presbiteriano que estuda
em Nova York. Imaginem
que me escreveu pedindo umas receitas fáceis, uns livros bons, porque
fora cozinhar umas espigas de milho
e queimara todas. Não faz a imagem
de um cozinheiro jeitoso. Mandei os
nomes dos livros, sugeri que estudasse comida americana, que é ótima, e que quando voltasse ao Brasil
teria tempo aprender a nossa. Daí
saiu o assunto sobre a tese dele, razão suficiente, descobri depois, para
que andasse a queimar milhos, e se
confessou muito interessado em comida e liturgia, coisa que também
adoro. Até já pesquisei um pouco de
comida de velórios, mas, como
atualmente as pessoas são veladas
naqueles gelados e impessoais salas
de hospital, a comida é cafezinho para esquentar. Aqui na nossa família
já começamos a lutar pela volta do
velório em casa, no meio dos vizinhos e amigos, sem muito choro e
sem flores, só uma fita amarela bordada com o nome dela.
Mas, voltemos ao meu leitor. Pedi
a tese por e-mail e ele mandou: " A
Globalização e os Limites das Práticas Litúrgicas - Redesenhando as Linhas da Hospitalidade Eucarística".
Belíssima a tese, para ser estudada e
bem entendida. Inteligente, renovadora e um pocochito utópica.
Olhando por cima, vejo logo no começo que concordamos com muitas
coisas. Não sou de ir muito à igreja,
apesar de ter sido criada em colégio
de freiras, ou por causa disto mesmo. Quando me dá um surto de querer comungar, preciso ir à missa, me
espanto e desisto. A uma certa hora
do rito da missa ao vizinhos se abraçam, se beijam, se cumprimentam, o
seu coração fica quente, "puxa, eu
bem podia ser amiga desta magrela
dentuça ou deste senhor de óculos,
tão amigos e risonhos...". E vai-se a
missa acabando, e chove a cântaros.
Estou sem carro e sem guarda-chuva. Os meus mais recentes amigos, a
magrela e o de óculos, passam por
mim impávidos, nem a mínima idéia
da oferta de uma carona. Era tudo de
mentira aquela amizade nos bancos
da igreja, sinto uma vergonha danada porque acreditei.
O meu leitor não é simplista assim, mas quer uma mesa eucarística
que nutra verdadeiramente todos,
sem problemas de raça, de gênero,
de poder, de política, e mais e mais.
"Então um guia para a leitura: Capítulo 1) Digo o que quero fazer e desenvolvo todos os pontos principais.
Capítulo 2) Não leia! É como João
Calvino no século 16 muda a estrutura de poder da época baseado na
mesa da eucaristia. Capítulo 3) Acho
que desse vai gostar e muito. É uma
análise da idéia do banquete grego
nos primórdios da igreja crista. Eu
fiquei fascinado com o tema. Capítulo 4) Como as mulheres entendem a eucaristia e se reúnem em
torno da mesa. Capítulo 5) Como os
pobres ficam com as sobras das comidas que caem no cão da instituição da igreja. Capítulo 6) Minha proposta de movimentos ao redor da
mesa entre uma igreja americana e
imigrantes não-documentados. Capítulo 7) Conclusão curta onde eu
uso a palavra "onkotô" dos mineiros
"onde eu estou" para terminar o trabalho.
Como te falei no começo do e-mail, estou indo pro Brasil agora em
junho. Vou fazer o casamento da minha sobrinha. No último casamento
que fiz, os noivos concordaram com
uma idéia que eu tinha, que era compartilhar e servir pão e mel para todos os presentes, de lá do altar. Eles
repartiam o pão e molhavam no mel
e agradeciam os presentes. Como
uma eucaristia.
Outro dia fiz uma eucaristia com
as canecas das casas de uma comunidade muito pobre que trabalhava
no Brasil, foi supertocante. Enfim,
mexo mais com as coisas ao redor da
comida, as possibilidades de comer
junto, do que com os alimentos porque não os conheço."
Até breve. Estou esperando você
me convidar para o cafezinho. Onkitá?
ninahorta@uol.com.br
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