São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007

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NINA HORTA

Eucaristia

Meu leitor quer uma mesa que nutra a todos, sem problemas de raça e gênero, política e poder

H OJE VOU relembrar meu leitor presbiteriano que estuda em Nova York. Imaginem que me escreveu pedindo umas receitas fáceis, uns livros bons, porque fora cozinhar umas espigas de milho e queimara todas. Não faz a imagem de um cozinheiro jeitoso. Mandei os nomes dos livros, sugeri que estudasse comida americana, que é ótima, e que quando voltasse ao Brasil teria tempo aprender a nossa. Daí saiu o assunto sobre a tese dele, razão suficiente, descobri depois, para que andasse a queimar milhos, e se confessou muito interessado em comida e liturgia, coisa que também adoro. Até já pesquisei um pouco de comida de velórios, mas, como atualmente as pessoas são veladas naqueles gelados e impessoais salas de hospital, a comida é cafezinho para esquentar. Aqui na nossa família já começamos a lutar pela volta do velório em casa, no meio dos vizinhos e amigos, sem muito choro e sem flores, só uma fita amarela bordada com o nome dela.
Mas, voltemos ao meu leitor. Pedi a tese por e-mail e ele mandou: " A Globalização e os Limites das Práticas Litúrgicas - Redesenhando as Linhas da Hospitalidade Eucarística". Belíssima a tese, para ser estudada e bem entendida. Inteligente, renovadora e um pocochito utópica. Olhando por cima, vejo logo no começo que concordamos com muitas coisas. Não sou de ir muito à igreja, apesar de ter sido criada em colégio de freiras, ou por causa disto mesmo. Quando me dá um surto de querer comungar, preciso ir à missa, me espanto e desisto. A uma certa hora do rito da missa ao vizinhos se abraçam, se beijam, se cumprimentam, o seu coração fica quente, "puxa, eu bem podia ser amiga desta magrela dentuça ou deste senhor de óculos, tão amigos e risonhos...". E vai-se a missa acabando, e chove a cântaros.
Estou sem carro e sem guarda-chuva. Os meus mais recentes amigos, a magrela e o de óculos, passam por mim impávidos, nem a mínima idéia da oferta de uma carona. Era tudo de mentira aquela amizade nos bancos da igreja, sinto uma vergonha danada porque acreditei. O meu leitor não é simplista assim, mas quer uma mesa eucarística que nutra verdadeiramente todos, sem problemas de raça, de gênero, de poder, de política, e mais e mais. "Então um guia para a leitura: Capítulo 1) Digo o que quero fazer e desenvolvo todos os pontos principais.
Capítulo 2) Não leia! É como João Calvino no século 16 muda a estrutura de poder da época baseado na mesa da eucaristia. Capítulo 3) Acho que desse vai gostar e muito. É uma análise da idéia do banquete grego nos primórdios da igreja crista. Eu fiquei fascinado com o tema. Capítulo 4) Como as mulheres entendem a eucaristia e se reúnem em torno da mesa. Capítulo 5) Como os pobres ficam com as sobras das comidas que caem no cão da instituição da igreja. Capítulo 6) Minha proposta de movimentos ao redor da mesa entre uma igreja americana e imigrantes não-documentados. Capítulo 7) Conclusão curta onde eu uso a palavra "onkotô" dos mineiros "onde eu estou" para terminar o trabalho.
Como te falei no começo do e-mail, estou indo pro Brasil agora em junho. Vou fazer o casamento da minha sobrinha. No último casamento que fiz, os noivos concordaram com uma idéia que eu tinha, que era compartilhar e servir pão e mel para todos os presentes, de lá do altar. Eles repartiam o pão e molhavam no mel e agradeciam os presentes. Como uma eucaristia.
Outro dia fiz uma eucaristia com as canecas das casas de uma comunidade muito pobre que trabalhava no Brasil, foi supertocante. Enfim, mexo mais com as coisas ao redor da comida, as possibilidades de comer junto, do que com os alimentos porque não os conheço." Até breve. Estou esperando você me convidar para o cafezinho. Onkitá?

ninahorta@uol.com.br


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