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Para não morrer de rir, 1 tira por dia
ÁLVARO DE MOYA
especial para a Folha
Fernando Gonsales faz parte da
ninhada de autores de quadrinhos
da Folha. Agora, com "Os Ratos
Também Choram", que a Bookmakers lança amanhã, dá para encarar a medida do processo criativo do cartunista, que é inesgotável.
O leque de personagens antropomorfos deixariam Esopo surpreso
e contente com a semente que
plantou. Já não se pode dizer o
mesmo de seu semi-homônimo
Mickey Mouse, pois Níquel Náusea é um rato de esgoto e não um
astro hollywoodiano...
Já os personagens "humanos"
têm um comportamento nada distante do mundo animalesco. O aspecto surrealista advém da extraordinária criatividade do artista, que usa a metalinguagem com
dráculas, vampiros, esquimós, Ray
Conniff, Barbie, camelos alcoólicos anônimos, ciganas, sereias,
Chapeuzinho Vermelho, unicórnio, sapo encantado, Batman,
duendes, piratas, Tarzan, e, claro,
papai Walt Disney.
Esses clichês todos são revisitados com graça e imediato reconhecimento do leitor em clave humorística e crítica mordaz. Incluindo,
obviamente, a televisão e a publicidade como motivo de chacota.
Em 1827, ao ler o precursor dos
quadrinhos, o suíço Rudolph
Topffer, Goethe, como um verdadeiro precursor de crítico de comics, escreveu que lia a obra do
pioneiro de dez em dez páginas para não ter uma indigestão de riso.
O mesmo vale para Gonsales: é
preciso ler uma por dia. Pois serve
para fãs e estudiosos, nesse livro,
entenderem o processo criativo de
um autor. Para o público em geral,
serve para identificar a atividade
do desenhista de tiras diárias em
quadrinhos como uma das mais
difíceis artes de nosso século.
A idéia tem que ser deglutida pelo criador até seu senso mais completo de síntese. Tem que contar
com a perspicácia e colaboração
do leitor para, em comum acordo,
chegarem a uma conclusão de prazer em rir da nossa condição de
animais racionais e irracionais.
Por falar em animais racionais,
vejamos Snoopy (Xereta). O criador de Charlie Brown (Minduim),
Charles Schulz, numa entrevista
declarou ao repórter que o entrevistava utilizar, desde 1950, somente situações próprias. Se o redator desse uma idéia genial,
Schulz não a utilizaria: "É uma
idéia sua, não minha...". E como
cria? Toda manhã, sem nenhum
assistente, senta diante da prancheta e uma folha em branco. Se
nada lhe ocorre, vai passear no jardim de sua fazenda na Califórnia.
Continuando em branco, o cartunista lê jornais, vê televisão, telefona para bater papo com os amigos até ocorrer algo. Depura a base
e simplifica o desenho. E colhe resultados. Porém quer manter a integridade da sua obra. Seu último
contrato com a distribuidora United Feature reza que, quando morrer, terminam as tiras.
No caso de Gonsales, que não ganha US$ 60 milhões anuais com
Snoopy nem com níqueis, para o
leitor brasileiro sua criação parece
mais fácil. Parece. Eis que nosso
autor é formado em veterinária,
biólogo e, conforme confessa, "nas
horas vagas, observa trilhas de formigas e cocô de lagartixa". Assim,
é covardia...
Livro: Níquel Náusea - Os Ratos Também
Choram
Autor: Fernando Gonsales
Editora: Bookmakers
Quanto: R$ 9
Lançamento: amanhã, às 19h, na Fnac (av.
Pedroso de Moraes, 858, Pinheiros, tel. 0/
xx/11/ 867-0022)
Álvaro de Moya é estudioso de quadrinhos, autor de "Shazam" e "História das Histórias em
Quadrinhos", entre outros
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