São Paulo, terça, 5 de agosto de 1997.



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O cantor Marcelo D2, 29, nascido no morro do Andaraí (RJ), fala sobre pop militante e os eternos problemas que seu grupo enfrenta com a polícia
Planet Hempa!!!!

Patrícia Santos/ Folha Imagem
Integrantes do Planet Hemp (Marcelo D2 à frente), que voltam a enfrentar problemas com a polícia durante turnê, por defender o uso da maconha


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

A guerra continua. Há menos de um mês do início da turnê nacional de seu novo CD, a banda carioca Planet Hemp, defensora efusiva da maconha, teve na última semana dois shows que faria em Salvador proibidos pela juíza da 1ª Vara de Tóxicos da cidade. "O delegado resolveu que a gente não ia tocar na terra dele e pediu a proibição. Foi uma coisa 'não quero, não vai tocar e pronto', diz Marcelo D2, líder da banda. Primeiro episódio da temporada, o cancelamento dá continuidade a uma série de incidentes constantes desde a estréia da banda em disco, em 95. Em entrevista à Folha acerca do episódio, Marcelo D2, 29, dispôs-se a falar abertamente sobre aquela que a banda continua considerando sua maior bandeira.

Folha - O que houve na Bahia?
Marcelo D2 -
É sempre a mesma coisa. O delegado Diz que fazemos apologia às drogas, que falamos que fumar maconha é gostoso. Nunca falei isso nas letras.
O clima estava tenso, decidimos cancelar os shows de Ilhéus e Porto Seguro. Tinha um batalhão de polícia na frente do lugar onde a gente ia tocar, armado até os dentes. Mas vamos voltar, vamos marcar quantos shows forem necessários.
Folha - Não cansa a banda a constância desses incidentes?
D2 -
A gente escolheu isso. Não vamos parar por aqui, não vamos amolecer. É uma situação por que estamos acostumados a passar desde pequenos. Todo lugar em que moro está cercado de polícia.
Folha - Tudo isso não se torna também fonte de marketing?
D2 -
Sinceramente, no fundo funciona como marketing. Não é um marketing que a gente deseje, mas é um jogo sujo, cada um tem que jogar com as armas que tem.
Tratamos dessa coisa sem demagogia, por ideologia. Nós acreditamos nisso. O que falamos não é baboseira, não vi na novela das oito. É real, a parada acontece mesmo.
Quando escrevo letras, procuro sempre incomodar as pessoas que me incomodaram a vida toda, que você vê vendendo arma, matando neguinho atrás da kombi, se explicando porque roubou 600 milhões não sei onde. O Planet foi feito para incomodar, da maneira que for.
Folha - Vocês fumam maconha?
D2 -
Todos. Mas todo mundo já passou da adolescência. Meu relacionamento com a maconha é o mesmo que meu pai sempre teve com o chope, de usar socialmente com os amigos. Nunca tive relação de vício com a maconha.
Folha - Você teve conflito com família por causa de maconha?
D2 -
Não. A família nem percebe, ninguém percebe. Mas acho estranho você pensar que seu filho é diferente de todos. Todo mundo experimenta tudo na escola, como todo mundo joga bola. Aí, quando meus pais ouviram as músicas, eu já não era mais filho, já era pai. Hoje fumo na frente da minha mãe.
Folha - Você fuma perto de seu filho de 5 anos?
D2 -
Fumo. Tem muito a culpa dele nessa história toda. Resolvi escrever sobre maconha quando ele nasceu. Fiquei assustado, pensei que daqui a pouco ele está com 15 anos e tomando tapa na cara da polícia como eu tomei.
Folha - Seu filho vai fumar?
D2 -
Não sei, espero que se ele decidir fumar isso não atrapalhe a vida dele. Se bobear, ele nem vai, porque já tem essa relação de ver. A curiosidade dele vai ser bem menor que a minha.
Folha - Por que vocês não defendem as outras drogas?
D2 -
A gente fuma maconha, não usa outras drogas. Nossa bandeira é que achamos que não são as drogas, mas a sua ilegalidade que causa a violência, que traz as guerras de tráfico, a violência policial, que faz garotos de 14 anos pegarem armas. Queremos falar contra isso.
Folha - Você é a favor da legalização de todas as drogas?
D2 -
Não. No caso do Brasil, acho que ainda não estamos preparados. Vai levar muito tempo, não temos ainda cultura para isso.
Folha - A postura de vocês incentiva o uso de maconha?
D2 -
Acho que muito poucas pessoas fumaram por causa do Planet Hemp. Encontro fãs da banda que não fumam e nem gostavam desse tipo de música, mas que gostam do Planet por causa da atitude, do som. Não acho que a gente fez a maconha virar moda.
Folha - O Planet Hemp é representante isolado na música brasileira atual de banda ou artista que pratica algum tipo de militância?
D2 -
Às vezes, fico meio enojado quando vejo as paradas. É um falando besteirinha aqui, outro dançando não sei o quê lá, tudo descartável. Cadê a música nessa história, cadê sua essência, que era levar alguma coisa de bom?
Folha - O Skunk, um dos integrantes da banda, morreu de Aids. Esse tema não interessa a vocês?
D2 -
Temos uns projetos beneficentes para 98, mas esse assunto é muito delicado para a gente. Nunca consegui escrever sobre, juro que já tentei várias vezes, fico até arrepiado de falar. Foi meu melhor amigo que morreu disso.
Folha - Você é a favor da legalização da união homossexual?
D2 -
Eu sou a favor. Acho que qualquer maneira de amar é válida (ri do que disse).
Folha - E quanto ao racismo?
D2 -
O Brasil é um país preconceituoso pra caramba. A gente toca nesse assunto, mas não é tema central. Sou o puro brasileiro, moreno. O preconceito que mais sofri foi de ser pobre e morar na favela.



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