São Paulo, sexta-feira, 05 de agosto de 2005

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CINEMA/"O CASTELO ANIMADO"

Após "A Viagem de Chihiro", o japonês Hayao Miyazaki investiga revolução industrial

Animação mergulha na iminência da guerra

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

É preciso festejar que os filmes de Hayao Miyazaki estejam sendo lançados comercialmente no Brasil. Depois da obra-prima "A Viagem de Chihiro", que veio com as chancelas do Urso de Ouro no Festival de Berlim e do Oscar de melhor animação, é a vez dos cinemas brasileiros receberem o quase tão belo "O Castelo Animado", que passou no Festival de Veneza do ano passado.
Imensamente popular no Japão, Miyazaki tem um longo percurso a percorrer antes de alcançar o mesmo sucesso por aqui. Seu trabalho ainda sofre da pecha do "cinema de arte", um tipo de adjetivação bem-intencionada que, muitas vezes, confina certas obras a nichos de mercado. Por serem "de arte" e por serem japoneses, seus filmes são considerados complexos demais para crianças, o que é no mínimo relativo. As narrativas apenas obedecem a uma lógica diferente, não tão calcada na "causa-conseqüência" da dramaturgia ocidental.
A fluidez é a marca mais evidente do estilo de Miyazaki. Tanto do ponto de vista da história como do desenho, tudo é concebido como um fluxo que, no seu conjunto, termina formando um universo de extrema coerência e beleza internas. Um universo quase felliniano, por vezes grotesco, mas sempre encantador, capaz de explorar todo o potencial de liberdade que a animação dá. Não é raro que as crianças se entreguem a esse universo mais facilmente do que os adultos, que ficam esperando explicações para tudo. Mesmo que não compreendam detalhes, como muitas vezes também não compreendem nos filmes americanos as piadas feitas para distrair os mais crescidos, as crianças costumam vidrar os olhos nos traços e cores do animador.
Em "O Castelo Animado", curiosamente, o desenho de Miyazaki serve a uma história ocidental. O filme é uma adaptação de um livro da escritora inglesa Diana Wynne Jones ambientado nas vilas européias do começo do século passado. Um mundo marcado pela revolução industrial (máquinas a vapor e engenhocas mecânicas dominam a cena) e pela iminência da guerra -mas não pelo racionalismo pragmático.
Nesse mundo, a jovem chapeleira Sophie é transformada em uma senhora de 90 anos por uma feiticeira enciumada. Apavorada, a velha-menina se auto-exila em terras desprotegidas, lá onde vive Howl, um mago considerado perigoso. Sophie termina conseguindo abrigo no castelo ambulante de Howl e assume a arrumação da casa -até se dar conta de que ele não tem nada de perigoso. Aos poucos, vai descobrir a chave para se desvencilhar do feitiço.
Ainda que tardia, a descoberta de Miyazaki faz um bem enorme à diversidade nas telas brasileiras e amplia o leque de opções cinematográficas das crianças, hoje tão limitado às produções dos estúdios Disney e DreamWorks. Tomara que "A Viagem de Chihiro" e "O Castelo Animado" abram portas para que filmes antigos de Miyazaki (e os novos) aportem com freqüência.


O Castelo Animado
Hauru no Ugoku Shiro
    
Direção: Hayao Miyazaki
Produção: EUA/Japão, 2004
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Lumière, Villa-Lobos e circuito


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