São Paulo, sábado, 05 de agosto de 2006

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Marina busca a "essência das coisas"

"Lá nos Primórdios", primeiro CD com inéditas em cinco anos, traz canções lançadas em show multimídia de 2005

Aos 50, ela diz que demora para compor porque está mais exigente, condena mistura de religião e política e defende direito ao aborto


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Cinco anos depois de "Setembro", Marina Lima, 50, volta a lançar um CD de inéditas. São cinco músicas novas em um conjunto de apenas dez faixas -além de dois remixes. A quantidade contribui para a classificação que a cantora e compositora dá a "Lá nos Primórdios": "enxuto, quase cru".
"O disco não tem retórica. Tem contenção o tempo inteiro. É propositadamente quase vazio de elementos, para tocar naquelas partes vazias da alma", diz ela.
A afirmação provoca uma reflexão sobre o que seja "tocar na alma". Todas as faixas têm a presença de sintetizadores e efeitos criados por máquinas, o que, ao menos na música brasileira, normalmente se associa mais a frieza do que a emoção. Praticante há muito tempo da eletrônica, Marina naturalmente discorda e lembra que "música é matemática".
"A melhor música é a cerebral. Mas não estou isentando a emoção dela. Os grandes matemáticos, quando criaram suas equações, devem ter tomado um porre durante uma semana. A música é calculada, com razão e emoção juntas. Não acredito em espontaneidade na arte. Não me interesso por isso. É conversa para boi dormir."
As novas canções deram muito trabalho. Marina as lançou em "Primórdios", espetáculo multimídia que fez no ano passado, em São Paulo, com direção de Monique Gardenberg. Depois compôs mais duas, mas preferiu deixar de fora do CD para não prejudicar sua coesão.
"Com o tempo, as coisas se aprofundam e caminham mais lentamente. Eu demoro mais tempo para fazer uma música porque exijo mais de mim. Quero que as conclusões valham por mais tempo", explica ela, confortável com o meio século de vida. "Eu me sinto uma mulher que tem o que dizer."
E procura dizer sem bandeiras explícitas, mas tentando tocar em pontos que considera primordiais, como indica o título do CD. "Não é um disco sobre amenidades. Fala da essência das coisas. De valor, vida, morte, grana, Brasil", lista.

Críticas
Em "Anna Bella", homenagem oblíqua à artista plástica Anna Bella Geiger, Marina e seu irmão Antonio Cicero sonham com um "salto vital sobre a cidade, a burrice e o mal". Para ela, no Brasil de hoje, burrice e mal se juntam "quando se usa a religião para conseguir voto político e fazer do povo gado".
"Pessoas usam a religião para criar regras que ninguém sabe de onde saíram. Interpretam e manipulam como querem", diz ela, criticando a proibição do aborto. "Se eu precisar fazer um aborto, porque esteja sem dinheiro para criar um filho ou porque ele não veio da maneira que eu queria, quero ter o direito de fazer o aborto e viver a dor e a angústia disso. Não tenho que dar satisfação, não me sinto uma assassina."
Os pensamentos de Marina estão nas músicas antigas que ela escolheu para o show e regravou no disco. "$ Cara", de 89, ano da eleição de Fernando Collor, fala que "jamais foi tão escuro/ No país do futuro/ E da televisão". "Meus Irmãos" lembra que "os homens podem muito pouco" e que seus irmãos "nunca parecem felizes/ Fechados em desilusão".
Tendo superado a depressão que a abateu nos anos 90, Marina se diz confiante com a nova fase, mesmo que não renda os sucessos do passado. "O meu caminho quem faz sou eu. Se vou ser mais popular ou menos, é outra questão. Muitas pessoas podem não gostar, mas vou batalhar pelo lugar que me interessa ocupar."


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