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Marina busca a "essência das coisas"
"Lá nos Primórdios", primeiro CD com inéditas em cinco anos, traz canções lançadas em show multimídia de 2005
Aos 50, ela diz que demora para compor porque está mais exigente, condena mistura de religião e política e defende direito ao aborto
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Cinco anos depois de "Setembro", Marina Lima, 50, volta a lançar um CD de inéditas.
São cinco músicas novas em
um conjunto de apenas dez faixas -além de dois remixes. A
quantidade contribui para a
classificação que a cantora e
compositora dá a "Lá nos Primórdios": "enxuto, quase cru".
"O disco não tem retórica.
Tem contenção o tempo inteiro. É propositadamente quase
vazio de elementos, para tocar
naquelas partes vazias da alma", diz ela.
A afirmação provoca uma reflexão sobre o que seja "tocar
na alma". Todas as faixas têm a
presença de sintetizadores e
efeitos criados por máquinas, o
que, ao menos na música brasileira, normalmente se associa
mais a frieza do que a emoção.
Praticante há muito tempo da
eletrônica, Marina naturalmente discorda e lembra que
"música é matemática".
"A melhor música é a cerebral. Mas não estou isentando a
emoção dela. Os grandes matemáticos, quando criaram suas
equações, devem ter tomado
um porre durante uma semana.
A música é calculada, com razão e emoção juntas. Não acredito em espontaneidade na arte. Não me interesso por isso. É
conversa para boi dormir."
As novas canções deram
muito trabalho. Marina as lançou em "Primórdios", espetáculo multimídia que fez no ano
passado, em São Paulo, com direção de Monique Gardenberg.
Depois compôs mais duas, mas
preferiu deixar de fora do CD
para não prejudicar sua coesão.
"Com o tempo, as coisas se
aprofundam e caminham mais
lentamente. Eu demoro mais
tempo para fazer uma música
porque exijo mais de mim.
Quero que as conclusões valham por mais tempo", explica
ela, confortável com o meio século de vida. "Eu me sinto uma
mulher que tem o que dizer."
E procura dizer sem bandeiras explícitas, mas tentando tocar em pontos que considera
primordiais, como indica o título do CD. "Não é um disco sobre amenidades. Fala da essência das coisas. De valor, vida,
morte, grana, Brasil", lista.
Críticas
Em "Anna Bella", homenagem oblíqua à artista plástica
Anna Bella Geiger, Marina e
seu irmão Antonio Cicero sonham com um "salto vital sobre
a cidade, a burrice e o mal". Para ela, no Brasil de hoje, burrice
e mal se juntam "quando se usa
a religião para conseguir voto
político e fazer do povo gado".
"Pessoas usam a religião para
criar regras que ninguém sabe
de onde saíram. Interpretam e
manipulam como querem", diz
ela, criticando a proibição do
aborto. "Se eu precisar fazer
um aborto, porque esteja sem
dinheiro para criar um filho ou
porque ele não veio da maneira
que eu queria, quero ter o direito de fazer o aborto e viver a dor
e a angústia disso. Não tenho
que dar satisfação, não me sinto
uma assassina."
Os pensamentos de Marina
estão nas músicas antigas que
ela escolheu para o show e regravou no disco. "$ Cara", de
89, ano da eleição de Fernando
Collor, fala que "jamais foi tão
escuro/ No país do futuro/ E da
televisão". "Meus Irmãos" lembra que "os homens podem
muito pouco" e que seus irmãos "nunca parecem felizes/
Fechados em desilusão".
Tendo superado a depressão
que a abateu nos anos 90, Marina se diz confiante com a nova
fase, mesmo que não renda os
sucessos do passado. "O meu
caminho quem faz sou eu. Se
vou ser mais popular ou menos,
é outra questão. Muitas pessoas podem não gostar, mas
vou batalhar pelo lugar que me
interessa ocupar."
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