São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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Crítica/"Pacto de Sangue"

Desejo e amizade balizam clássico "noir" de Wilder

Obra-prima, filme rodado em 1944 é considerado a quintessência do gênero

Divulgação
Barbara Stanwick interpreta a "femme fatale' de "Pacto de Sangue', dirigido por Billy Wilder


JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Viraram legenda no mundo do cinema as encarniçadas desavenças entre o diretor Billy Wilder e o escritor Raymond Chandler durante a escrita a quatro mãos do roteiro de "Pacto de Sangue" (no original, "Double Indemnity" ou "Indenização Dupla").
Basta dizer que o então ex-alcóolatra Chandler voltou a beber, e Wilder declarou ter envelhecido cinco anos nos quatro meses em que os dois trabalharam juntos diariamente no roteiro. Azar deles, sorte nossa: de um bom livro policial de James M. Cain a dupla plasmou uma obra-prima absoluta, que muitos consideram a quintessência do cinema "noir".
A história criada por Cain (autor também de "O Destino Bate à Sua Porta") é poderosa.
Em Los Angeles, o vendedor de seguros Walter Neff se envolve com a sedutora Phyllis Dietrichson, que quer se livrar do marido milionário.
Não demora para que ambos tramem o assassinato do ricaço. Mas Neff se sente acuado (mais no sentido ético do que detetivesco) por seu colega de trabalho Barton Keyes, um caxias capaz de farejar qualquer tipo de fraude dos clientes.
Os acertos do filme começam pela escolha do elenco: Barbara Stanwick (de peruca loura) como a "femme fatale", Edward G. Robinson como o implacável Keyes e o grandalhão Fred McMurray como o atormentado protagonista.
Assim como faria em "Crepúsculo dos Deuses", Wilder conta a história a partir do fim: depois que tudo deu errado, Neff registra no gravador de Keyes uma confissão que servirá a partir daí como narração em "off", no melhor estilo "noir".
E o que é o "noir", esse cinema que, nas palavras de Martin Scorsese, "revelou as entranhas sombrias da vida urbana americana"?
Basta ver "Pacto de Sangue" para descobrir ali, uma por uma, as características do gênero: herói endurecido e cínico, atraído por uma mulher fatal para um terreno moralmente movediço; predominância das cenas noturnas, em que as sombras são usadas de modo dramático e estilizado; o dinheiro e a libido como motores da ação.
Em "Pacto de Sangue", há ainda o contraste entre a ensolarada costa californiana e a caracterização sombria dos ambientes fechados, quase sempre com uma contraluz filtrada por persianas. Há os diálogos afiados de Raymond Chandler, que, a despeito das brigas, encontrou em Wilder outro manhoso artífice das frases de duplo sentido. Há um erotismo onipresente, quase opressivo, desde a primeira e espetacular aparição de Phyllis, envolta numa toalha.
E há, por fim, o amor, mas não onde se esperaria encontrá-lo -o romance entre os amantes assassinos-, e sim na relação entre os amigos Neff e Keyes.
Duas falas balizam o filme, em termos morais e afetivos. A primeira é a da confissão de Neff, logo no início: "Eu o matei pelo dinheiro e por uma mulher. No fim, fiquei sem o dinheiro e fiquei sem a mulher".
A outra é a frase final de Keyes. Não cabe revelá-la aqui. Basta dizer que é tão eloqüente e definitiva quanto o "Ninguém é perfeito" que encerra outra obra-prima de Wilder, "Quanto Mais Quente Melhor".
Nos extras, depoimentos de pesquisadores e críticos reconstituem a realização do filme e o contextualizam na história de Hollywood.

PACTO DE SANGUE
Direção:
Billy Wilder
Produção: EUA, 1944
Lançamento: Versátil (R$ 44,90, em média)
Avaliação: ótimo


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