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8ª FESTA LITERÁRIA DE PARATY
FHC afaga e apedreja Freyre na Flip
Na abertura da festa, ontem, sociólogo diz que é fácil, mas não justo, apenas criticar autor de "Casa Grande & Senzala"
Ex-presidente elogia estilo de Freyre, mas reprova "afirmações inaceitáveis" sobre negros, índios e judeus
PLÍNIO FRAGA
FABIO VICTOR
ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY
A mão que apedreja também afaga. A ambiguidade
-traço definidor da obra de
Gilberto Freyre- foi a tônica
da conferência do ex-presidente e sociólogo Fernando
Henrique Cardoso sobre o intelectual pernambucano, na
abertura da 8ª Festa Literária
Internacional de Paraty, ontem à noite.
"É fácil criticar Gilberto
Freyre, só não é justo apenas
criticá-lo. Ele abre flanco para todo lado. É muito fácil
massacrar", expôs FHC, após
ser apresentado pelo historiador Luiz Felipe Alencastro, professor da Universidade de Paris, em Sorbonne.
FHC lembrou que são
usuais em livros de Freyre
"afirmações inaceitáveis",
por exemplo, sobre negros,
índios, judeus e brancos.
Mas declarou que sua obra
permanece porque ousou
contestar o pensamento dominante nos anos 1930 (defensor de um Estado forte e
autoritário), inovando na
abordagem de criar um ideário próprio a partir da vivência cultural e das relações
cultivadas pelas pessoas.
"Ele qualificava as pessoas a todo o instante. Mas
dizia que somos produtos de
culturas, não de raças."
DISCORDÂNCIAS
O ex-presidente disse ter
preparado um texto de cem
páginas para embasar sua
palestra. "Deu um trabalho
danado, mas sou um acadêmico. Tinha de fazê-lo."
FHC historiou as origens
das discordâncias dos intelectuais de sua geração com a
obra de Freyre -"Casa Grande & Senzala" é da década de
1930 e nomes como Florestan
Fernandes se debruçaram
sobre a questão racial a partir
da década de 1950.
"Tínhamos um amor ao
cientificismo que nos fazia ir
dar aulas de bata branca", relembrou. "Daí a ideia que se
criou de que Freyre era melhor ensaísta do que pesquisador", afirmou.
FHC rememorou que Freyre tinha contato com autores
modernistas e conhecia literatura. "Na linguagem acadêmica se usam palavras
quase que para o outro não
entender [risos da plateia].
Gilberto Freyre não escreve
desta maneira. Ele escrevia
em espiral. Você se perde todo, mas ele te leva no embalo. E isso foi o que lhe deu, de
certa forma, perenidade.
Mesmo não estando de acordo, você vai na onda."
Segundo o ex-presidente,
o central na obra de Freyre foi
o "amor ao patriarcalismo" e
a tentativa de caracterizar o
país como promovedor do
"equilíbrio entre contrários".
"Freyre não diz que o Brasil é uma democracia racial.
Defende a ideia de que há
aqui um equilíbrio entre contrários. É uma ideia dialética
que nunca se realiza, nunca
chega a uma síntese."
CONTRAPONTO
A plateia permaneceu em
silêncio reverente durante a
explanação de 1h28 minutos,
iniciada com Alencastro
apontando pontos de interseção entre a obra de FHC e a
de Freyre. Simpatizante petista, Alencastro afirmou que
evitaria citar a gestão de FHC
na Presidência, porque esta
"esmagaria" o papel do intelectual, tal sua relevância na
vida cotidiana do país.
FHC sugeriu que o homenageado do próximo ano da
Flip fosse Sérgio Buarque de
Holanda, contemporâneo de
Freyre e, em sua visão, melhor contraponto à obra do
pernambucano.
Citou que Freyre se mostra
defensor do patriarcalismo
nordestino, e Holanda fala
das massas urbanas e da necessidade do cumprimento
das regras.
"Quando Sérgio fala do
brasileiro cordial, não faz um
elogio. É uma crítica ao horror do brasileiro pelo ritual,
por optar por dar um jeitinho, por driblar a regra. Não
quero falar do presente, mas
sem ritual não há democracia", afirmou FHC, numa crítica indireta ao informalismo
do presidente Lula.
FHC encerrou sua explanação inicial dizendo: "Essa
ambiguidade que está em
Gilberto Freyre talvez esteja
em todos nós". Foi aplaudido
por quase três minutos. Levantou-se, juntou as palmas
das mãos, e baixou a cabeça:
"É como eu digo nestas horas: se deixarem eu dou bis e
falo tudo outra vez".
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