São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2010

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8ª FESTA LITERÁRIA DE PARATY

FHC afaga e apedreja Freyre na Flip

Na abertura da festa, ontem, sociólogo diz que é fácil, mas não justo, apenas criticar autor de "Casa Grande & Senzala"

Ex-presidente elogia estilo de Freyre, mas reprova "afirmações inaceitáveis" sobre negros, índios e judeus

PLÍNIO FRAGA
FABIO VICTOR
ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

A mão que apedreja também afaga. A ambiguidade -traço definidor da obra de Gilberto Freyre- foi a tônica da conferência do ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso sobre o intelectual pernambucano, na abertura da 8ª Festa Literária Internacional de Paraty, ontem à noite.
"É fácil criticar Gilberto Freyre, só não é justo apenas criticá-lo. Ele abre flanco para todo lado. É muito fácil massacrar", expôs FHC, após ser apresentado pelo historiador Luiz Felipe Alencastro, professor da Universidade de Paris, em Sorbonne.
FHC lembrou que são usuais em livros de Freyre "afirmações inaceitáveis", por exemplo, sobre negros, índios, judeus e brancos.
Mas declarou que sua obra permanece porque ousou contestar o pensamento dominante nos anos 1930 (defensor de um Estado forte e autoritário), inovando na abordagem de criar um ideário próprio a partir da vivência cultural e das relações cultivadas pelas pessoas.
"Ele qualificava as pessoas a todo o instante. Mas dizia que somos produtos de culturas, não de raças."

DISCORDÂNCIAS
O ex-presidente disse ter preparado um texto de cem páginas para embasar sua palestra. "Deu um trabalho danado, mas sou um acadêmico. Tinha de fazê-lo."
FHC historiou as origens das discordâncias dos intelectuais de sua geração com a obra de Freyre -"Casa Grande & Senzala" é da década de 1930 e nomes como Florestan Fernandes se debruçaram sobre a questão racial a partir da década de 1950.
"Tínhamos um amor ao cientificismo que nos fazia ir dar aulas de bata branca", relembrou. "Daí a ideia que se criou de que Freyre era melhor ensaísta do que pesquisador", afirmou.
FHC rememorou que Freyre tinha contato com autores modernistas e conhecia literatura. "Na linguagem acadêmica se usam palavras quase que para o outro não entender [risos da plateia]. Gilberto Freyre não escreve desta maneira. Ele escrevia em espiral. Você se perde todo, mas ele te leva no embalo. E isso foi o que lhe deu, de certa forma, perenidade. Mesmo não estando de acordo, você vai na onda."
Segundo o ex-presidente, o central na obra de Freyre foi o "amor ao patriarcalismo" e a tentativa de caracterizar o país como promovedor do "equilíbrio entre contrários".
"Freyre não diz que o Brasil é uma democracia racial. Defende a ideia de que há aqui um equilíbrio entre contrários. É uma ideia dialética que nunca se realiza, nunca chega a uma síntese."

CONTRAPONTO
A plateia permaneceu em silêncio reverente durante a explanação de 1h28 minutos, iniciada com Alencastro apontando pontos de interseção entre a obra de FHC e a de Freyre. Simpatizante petista, Alencastro afirmou que evitaria citar a gestão de FHC na Presidência, porque esta "esmagaria" o papel do intelectual, tal sua relevância na vida cotidiana do país.
FHC sugeriu que o homenageado do próximo ano da Flip fosse Sérgio Buarque de Holanda, contemporâneo de Freyre e, em sua visão, melhor contraponto à obra do pernambucano.
Citou que Freyre se mostra defensor do patriarcalismo nordestino, e Holanda fala das massas urbanas e da necessidade do cumprimento das regras.
"Quando Sérgio fala do brasileiro cordial, não faz um elogio. É uma crítica ao horror do brasileiro pelo ritual, por optar por dar um jeitinho, por driblar a regra. Não quero falar do presente, mas sem ritual não há democracia", afirmou FHC, numa crítica indireta ao informalismo do presidente Lula.
FHC encerrou sua explanação inicial dizendo: "Essa ambiguidade que está em Gilberto Freyre talvez esteja em todos nós". Foi aplaudido por quase três minutos. Levantou-se, juntou as palmas das mãos, e baixou a cabeça: "É como eu digo nestas horas: se deixarem eu dou bis e falo tudo outra vez".


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