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CARLOS HEITOR CONY
Tentativa de ensaio sobre os cornos
Antes de tudo, um corno
que se preze é filho de corno
e amigo de outro. Donde a primeira constatação: o corno é hereditário e contagioso. É também
antigo, remontando aos primórdios da humanidade, sua aparição no cenário universal data de
milênios antes de Cristo e ameaça
se prolongar por muitos milênios
depois do próprio.
Para efeitos práticos, há três tipos de corno: os furiosos, os funcionais e os mansos, que podem
ser classificados como o corno padrão. É o mais abundante, pois
todo homem casado ou apaixonado por uma mulher pode ser
corno ex officio, por uma espécie
de gravidade, sendo a matéria-prima indispensável para a fabricação do produto final, que é o
corno propriamente dito. A mansidão, por sua vez, é dupla em
suas manifestações. Há a mansidão consciente, que é sábia e não
causa estragos consideráveis, e a
inconsciente, que é a mais frequente e indolor.
Cornos mansos e conscientes foram Napoleão Bonaparte e Luiz
16, para citar dois personagens
ilustres como exemplo. Cornos
mansos e inconscientes foram tais
e tantos que nem precisam de
exemplo; potencialmente, todos
somos traídos. E alguns de nós o
são de fato. O caso mais notável
do corno manso e inconsciente,
num paradoxo da condição humana, seria o Bentinho, pois ficou
com a suspeita do adultério de
Capitu, fez tudo o que devia fazer,
separou-se, afastou-se do filho
que suspeitava não ser dele, mas,
no fundo, no fundo, ficou com a
dúvida e a esperança de estar errado.
A alternativa ao corno manso é
o corno furioso, e o mais visível de
todos seria Otelo, que nem chegou
a ser corno de fato, mas agiu como tal por causa de um lenço que
encontrou na alcova de sua mulher. Extenso no tempo, o corno
furioso é intenso no modo. Na
realidade, deveria ser o paradigma do corno em si, pois o que se
espera de um corno decente é que
fique furioso com a traição de que
é vítima. Há espécimes ao longo
da história, sendo um dos mais
antigos um mandarim da dinastia Tchan, do ano 6780 a.C, que
tinha 55 mulheres e foi traído por
todas elas e a todas degolou pessoalmente com um sabre de bambu, para doer mais no pescoço das
infiéis.
Sendo extenso, como já disse, o
corno furioso é intenso. Há incontáveis exemplos da intensidade
com que ele se manifesta: caldeirões com chumbo fervendo, covas
com serpentes letais e leões famintos, a fúria de um corno furioso
apela para métodos além da imaginação. Um deles, sabendo que
estava sendo traído, comprou
dois quilos de milho, chegou em
casa, espalhou o milho pela sala,
puxou o revólver, obrigou a mulher a ficar de quatro e ordenou:
"Come, galinha, come!".
Finalmente, chegamos aos cornos funcionais, ou pragmáticos,
que, antes de Gérson enunciar
sua famosa lei, a de tirar vantagem em tudo, já o faziam por conta própria. E o faziam tão bem,
com tanto e tamanho profissionalismo, que nem devem ser considerados cornos em si, mas corretores de uma bolsa de valor, embora não negociem exatamente
com a bolsa da mulher, mas com
a mulher inteira.
Foram e continuam sendo numerosos em todas as épocas e nações. O exemplo mais fantástico
teve seu caso relatado no Antigo
Testamento, que, como sabemos,
é o livro santo por excelência ditado pelo Senhor. Dá conta de
Abraão, que viveu em vários lugares ao longo do Eufrates, em Siquém, em Mênfis, em Cades, acabou morrendo em Meca, já no
usufruto do título de "Pai dos
Crentes".
Casado com Sara, mulher apetecível mas igualmente piedosa,
Abraão fez a proposta: "Vamos a
Mênfis e façamos de conta que
você é minha irmã, a fim de que
me acolham com benevolência".
O rei de Mênfis foi benevolente,
enamorou-se perdidamente por
Sara e presenteou o irmão dela
com muitas ovelhas, cabras, bois,
mulas, queijos, vinhos, camelos e
servos.
Gostando de viajar e de ser acolhido com benevolência por onde
andava, Abraão notou que o rei
de Mênfis se cansara de Sara e decidiu partir, dirigindo-se ao hórrido deserto de Cades. Um barbudo rei local enamorou-se de Sara,
que lhe foi apresentada pelo irmão e, depois de algum tempo,
presenteou o cunhado com ovelhas, cabras, bois, mulas, queijos,
vinhos, camelos e servos.
Entusiasmado com o processo,
Abraão seguiu para outros lugares, fazendo-se passar por irmão
de Sara. E, ao fim de seus dias, depois de apresentar a irmã aos reis
de cada cidade, era no Oriente
Médio o homem que mais possuía
ovelhas, cabras, bois, mulas, queijos, vinhos, camelos e servos.
A posteridade encarregou-se de
enaltecer a sabedoria de Abraão,
venerável como patriarca em três
religiões. De maneira que nós, judeus, cristãos e muçulmanos, somos seus descendentes. Infelizmente, não nos deixou como herança suas ovelhas, cabras, bois,
mulas, queijos, vinhos, camelos e
servos. De minha parte, não saberia o que fazer com o camelo a
que teria direito. Mesmo assim,
sou grato ao "Pai dos Crentes" pelo exemplo que nos legou.
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