São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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Cidadania é mote na região Norte

DO ENVIADO A RIO BRANCO E PORTO VELHO

Algum dom à guerrilha cultural parece mover os "expedicionários" ligados à música e à literatura recrutados pelo projeto Rumos Itaú Cultural em suas viagens pelas capitais de cinco regiões do Brasil -a Folha acompanhou as estadias em Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO), entre os dias 2 e 4 de agosto passado.
Uma das estrelas das palestras e mesas de discussão é o produtor musical Pena Schmidt, presidente da ABMI (Associação Brasileira da Música Independente), que fala às comunidades locais de artistas e produtores culturais sobre "processos associativos e o futuro da música".
O tema parece pomposo, mas sua mensagem é simples, esteja falando a paulistas ou acreanos: reúna-se em grupos com finalidades comuns, associe-se; crie seu próprio selo, grave seu próprio disco; permaneça em sua própria cidade; faça sua música circular pela internet.
Pouco a pouco, palavras de estímulo para que se consolidem cenas locais vão partindo das bocas de outros participantes, como o antropólogo Hermano Vianna, o jornalista Kiko Ferreira e o músico e produtor Edson Natale (único participante com vínculo direto com o Itaú Cultural).
Os ouvintes, que ocupam em Rio Branco e Porto Velho auditórios semivazios, também se manifestam -e passam a revelar peculiaridades culturais de suas comunidades. Jackson, 23, pede a palavra para explicar que integra o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, tem ligações com a Aliança dos Povos da Floresta e com o Movimento dos Sem-Terra e lidera com o irmão Samuel, 24, o grupo de rap Quilomboclada.
Seu depoimento vai se revelando de mansinho: "O que o rap faz é literatura marginal"; "Quem mora na periferia é filho de cara do interior ou descendente de índio com negro"; "A periferia das áreas ribeirinhas é genuinamente cabocla"; "É preciso tentar levantar a auto-estima do caboclo". Os expedicionários começam a aprender com seus discípulos.
Em Rio Branco, igualmente, aparecem os rappers locais, mais calados que os de Porto Velho. Músicos e fazedores locais de cultura povoam seus depoimentos com termos como "pertencimento" (o Acre pertence ao Brasil?), "identidade amazônica", "acreanidade", "florestania" -a cidadania mora nos extremos do Brasil, onde outro discurso corrente é o que se queixa do isolamento, o que tenta superar o isolamento.
Os expedicionários do "sul maravilha" são vistos pelo espelho, não sem certa carga de hostilidade. Do vice-governador do Acre aos conterrâneos da platéia, critica-se a visão preconceituosa exposta por um grupo paulista de teatro que varou o Estado em pesquisa antropológica. Lamenta-se que a imprensa sulista só tenha descoberto o seringalista Chico Mendes após seu assassinato.
A funcionária do Sesc de Rondônia elogia a harmonia entre os Sescs Brasil afora, mas aponta a arrogância e o isolamento de seus representantes paulistas. O isolamento é visto no espelho, não só de dentro como de fora, das megalópoles que se julgam plenamente integradas. A expedição aprende enquanto ensina.
E Edson Natale tenta ensinar a coexistência pacífica entre todas as músicas -as indígenas, as eletrônicas, a MPB, os raps. "Vejo que existe um grande preconceito contra os músicos entre os próprios músicos", cutuca, convicto de que não há letargia no Brasil grande que está descobrindo.
Frases assim são plantadas como insinuações, enquanto ele procura convencer músicos incrédulos a inscrever suas produções no Rumos, para uma possível seleção e edição em CD em etapa posterior (as inscrições vão até dia 22 próximo, informações no www.itaucultural.com.br). O resultado não vem de imediato, os cães ladram, a estrada brasileira é comprida. (PAS)


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite do Itaú Cultural

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