São Paulo, terça-feira, 05 de setembro de 2006

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Messias gay

Um dos artistas mais celebrados da geração que prega o retorno à canção, Rufus Wainwright lança "Want Two" e firma-se como novo ícone pop gay

Divulgação
Em "Want One", Wainwright encarna um cavaleiro medieval


BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O cantor e compositor norte-americano Rufus Wainwright sempre tinha uma carta na manga para animar as festas de amigos quando o clima ameaçava cair. Ele começava a tocar uma música em tom de piada, sobre um messias gay que iria renascer, vindo de um filme pornô dos anos 70. "É melhor começar a rezar por seus pecados", cantava, entre risos.
Pouco depois, quando John Kerry já dava sinais de que perderia para George W. Bush na eleição de 2004 para a Presidência dos EUA, o músico não iria mais gargalhar. O mundo, para ele, começava a se tornar um lugar mais sombrio, e só a vinda de um messias gay iria resolver as coisas. Essa realidade que abarca o sagrado e o profano é o que move as músicas de seu quarto álbum, "Want Two", que sai agora no Brasil.
Um dos compositores mais celebrados da nova geração de grandes cancionistas, com fãs ilustres como Elton John, Michael Stipe e Martin Scorsese, Wainwright, 33, é também um dos mais expressivos ícones gays masculinos da atualidade, falando abertamente de seus amores em suas canções, sem cair em retórica reacionária ou "heterofóbica". Em junho, aproximou-se de Judy Garland e recriou a clássica apresentação dela no Carnegie Hall em 1961, em show filmado pelo cineasta Sam Mendes ("Beleza Americana").
Seu mais recente disco dá prosseguimento à saga autobiográfica iniciada no álbum anterior, "Want One" (2003), agora com ainda mais ênfase em sua paixão por ópera, inserida no contexto de pop e folk.
"Enquanto eu gravava "Want One", tive uma inesperada inspiração, comecei a vomitar canções, então achei melhor dividir em dois para não ter um ataque do coração", diz Wainwright à Folha. "No primeiro disco, eu falava mais de mim mesmo. No segundo, falo mais sobre o mundo lá fora."
O conceito já se explica pela capa. Enquanto no primeiro Wainwright aparece vestido como um guerreiro medieval, agora ele se veste de mulher. "São os dois lados da minha personalidade. O lado masculino é mais assustador, como se tentasse invadir ou proteger um castelo; o lado feminino tem mais a ver com um instinto de sobrevivência e mistério."
Esse instinto está, por exemplo, na politizada "Gay Messiah". "Com o tempo, essa música começou a se tornar uma canção de protesto, lembrando as pessoas que ser gay ainda é uma grande questão nos EUA. Esta música se tornou uma reza literal pedindo a nossa salvação, quando Bush venceu."
"Os americanos que o elegeram consideram os gays mais perigosos do que terroristas", continua o cantor. "Kerry perdeu porque defendeu o casamento gay. Os conservadores levam ao pé da letra o que a Bíblia diz; para eles, os gays são os grandes pecadores. Isso tudo é muito assustador."

Traumas
Além de um novo álbum previsto para 2007, o músico está sendo sondado para trabalhar em um musical -a produção do filme "Moulin Rouge" (2001) chegou a encomendar canções para Wainwright.
Filho dos cantores Loundon Wainwright III e Kate McGarrigle, mais conhecidos no cenário folk dos anos 70, Rufus já excursionava aos 13 anos com a mãe, irmã e tias no grupo McGarrigle Sisters and Family.
Mas não foi apenas o passado de artista mirim que conturbou sua vida. Quando saiu do armário, aos 14, conheceu um homem mais velho em um bar em Londres. O que prometia ser um passeio romântico em um parque resultou num estupro e um Rufus paranóico pelos anos seguintes e com medo de se relacionar com outras pessoas.
Logo após o ataque, Wainwright passava longas horas ouvindo o "Réquiem" de Verdi, antes de ser enviado pelo pai ao Millbrook (NY), colégio interno que inspirou o filme "Sociedade dos Poetas Mortos". "Ópera é a minha religião. Você nunca sabe o que vai acontecer, e conforme o espetáculo vai se desenrolando, tudo vai ficando mais profundo. Tento colocar isso na minha música."


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