São Paulo, quarta-feira, 05 de setembro de 2007

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Entrevista - Rodolfo Fogwill

Pesadelo argentino

Um dos principais nomes da Bienal do Livro do Rio, que começa na semana que vem, o argentino Rodolfo Enrique Fogwill lança aqui obra sobre soldados desertores no conflito das Malvinas

Associated Press
Argentinos derrotados por britânicos na guerra das Malvinas aguardam repatriação


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na primeira vez em que veio ao Brasil, em 1982, o romance "Os Pichicegos", do argentino Rodolfo Enrique Fogwill, 66, estava disfarçado.
Trazidos por um amigo do escritor, um médico exilado aqui por conta da ditadura na Argentina (1976-1983), os originais do livro foram mimeografados no hospital Albert Einstein, em SP. A edição clandestina circulou apenas entre intelectuais brasileiros e argentinos expatriados. Só depois do fim do regime militar o livro pôde ser editado em seu país.
A segunda chegada de "Os Pichicegos" ao Brasil acontece agora. Vinte e cinco anos após ser escrita, a obra tem sua primeira edição brasileira e será apresentada pelo autor na Bienal do Livro do Rio, que começa na semana que vem.
O livro narra a história de um grupo de jovens soldados argentinos que deserta do Exército de seu país durante o conflito das Malvinas (1982).
Leia trechos da entrevista que o autor, que também é sociólogo e ensaísta, deu à Folha.
 

FOLHA - O romance foi escrito no calor dos acontecimentos, em 1982. Ou seja, não havia ainda relatos pessoais sobre o que estava sucedendo. Em que baseou seus personagens?
RODOLFO ENRIQUE FOGWILL -
Quando escrevi essa história, não havia informações sobre o cenário de conflito. Tudo é invenção. Acertada, mas invenção. Diria que foi uma invenção dedutiva. A visão dessa guerra falsa e subterrânea era produto do meu conhecimento sobre as guerras, sobre aquela geração de rapazes, sobre o comportamento dos impérios e sobre o clima inóspito do sul argentino.

FOLHA - Por que o sr. preferiu o ponto de vista dos que desertaram, e não o dos que seguiram lutando?
FOGWILL -
Naquela época, assim como hoje, eu odiava as Forças Armadas argentinas, o Exército britânico e o imperialismo. Se me tivessem recrutado compulsivamente, como aconteceu com os rapazes do livro, teria optado pela deserção. A propaganda oficial dos dois lados recrutava consciências. Isso era um desafio para um escritor de ensaio ou de narrativa. Requeria operações de ficção e trabalhos com a narrativa. Não podia fazer outra coisa senão esse tipo de relato. Meus desertores imaginários eram o melhor objeto de investigação para minha idéia, a de que um desertor é quem constrói uma economia de guerra pelas costas dos outros. Parecia-me mais verdadeiro falar deles do que investigar o destino dos infelizes que se condenaram a protagonizar o conflito. Penso que o verdadeiro, no ser humano, só aparece no exercício da liberdade dentro de situações-limite.

FOLHA - Por que a divisão da obra em duas partes, a primeira, composta apenas pelos diálogos dos garotos, e a segunda, mais ensaística?
FOGWILL -
A primeira parte é o que eu achava que estava acontecendo no cenário do conflito. A segunda corresponde ao que imaginei que sucederia depois. Era uma aposta alta e o rumo dos acontecimentos posteriores mostrou que eu tinha razão.

FOLHA - Estamos no aniversário de 25 anos do conflito das Malvinas. Que lugar acha que o episódio teve dentro do processo de redemocratização da Argentina?
FOGWILL -
A aventura das Malvinas se produziu quando a ditadura já havia derrotado a guerrilha e sua frente interna estava minada pelos que preparavam a transição democrática com o apoio do consenso internacional. Sem as Malvinas, a transição teria sido mais lenta, mas teria se cumprido da mesma forma.

FOLHA - O debate sobre os suicídios de ex-combatentes, cujo número continua aumentando [estima-se que mais de 260 oficiais tenham se matado desde então], está muito presente na sociedade argentina. Você também pensou nessa conseqüência enquanto escrevia o livro?
FOGWILL -
Enquanto a tropa resistia sem contato com o país e com o mundo, eu imaginei duas manifestações trágicas posteriores. O fato de que os ex-soldados seriam tratados cada vez mais como doentes mentais e o esquecimento, que resultou nas pensões vergonhosas que ganham hoje. A sociedade argentina usou todos os meios para neutralizá-los. Esperava pelos suicídios, mas não numa taxa tão alta.

FOLHA - Tem palpites para o resultado das próximas eleições presidenciais [em outubro]?
FOGWILL -
Tudo indica que Cristina Kirchner ganhará e isso será muito ruim, pois a sociedade e a economia argentinas não resistirão a outro período tão aventureiro como o do fim da gestão de seu marido.


OS PICHICEGOS
Autor:
Rodolfo Enrique Fogwill
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 29,90 (144 págs.)


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