São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2008

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da vida

Estréia hoje "Linha de Passe", em que Walter Salles e Daniela Thomas usam o futebol para falar da "busca de identidade"

Divulgação
Os atores José Geraldo Rodrigues e Kaique de Jesus Santos (ao fundo), que interpretam irmãos em "Linha de Passe"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"O cinema deve gerar uma memória de nós mesmos, num momento específico do tempo. É aquilo que nos deve permitir, 20 anos depois, saber de onde viemos, quem somos, para onde estamos indo", diz o cineasta Walter Salles.
É de brasileiros em busca da "identidade" e com "desejo de pertencimento" que o diretor trata em "Linha de Passe", oitavo longa de sua carreira (terceiro co-dirigido por Daniela Thomas), em cartaz em 56 cinemas do país, a partir de hoje.
São Paulo é a cidade onde todos os personagens do filme "buscam se reinventar", conforme diz Salles. A escolha se deu porque "reinventar-se nessa geografia parece mais difícil, mas também mais plausível".

Estado ausente
A comparação é com o cenário do Rio, onde "a ausência do Estado criou aquela relação entre morro e asfalto que você já viu em tantos filmes brasileiros". Para o cineasta, "não fazia sentido usar uma geografia tão explorada no cinema".
Emprestado do futebol, o título "Linha de Passe" refere-se ao jogo da sobrevivência econômica e emocional empreendido pela família suburbana que é o centro da trama e tem a atriz Sandra Corveloni (Palma de Ouro no Festival de Cannes) no papel da matriarca. Mais especificamente, o futebol define a trajetória do personagem Dario (Vinícius de Oliveira).
Meia-armador de muita destreza, Dario se submete a sucessivas "peneiras" nas quais os clubes buscam novos craques. O personagem foi inspirado pelo documentário "Futebol", de João Moreira Salles, irmão de Walter, que viu na circunstância um traço "muito revelador do país -esse desejo de inserção, de usar o futebol como forma de transpor uma barreira, recusar o que o destino te outorga e ir além daquele limite".
Na batalha de Dario, o tempo é o maior adversário. Ele está prestes a completar 18 anos, idade-limite para as "peneiras". 17 de maio de 1989 é a data de seu nascimento. Naquele ano, Lula, atual presidente, fora derrotado nas eleições por Fernando Collor de Mello, cujo governo Salles e Thomas abordaram em "Terra Estrangeira" (1996), pelo viés do efeito de quebra da esperança na juventude. "Os dois filmes diferem, porque o primeiro fala de um momento de crise, de ruptura na história do Brasil, e este foi feito num momento em que o país está em transformação", aponta Salles.
"A transformação ainda está em processo. É difícil antecipar o que vai acontecer. Talvez o filme não expresse isso ao longo da narrativa, mas o final é imbuído de uma certa idéia de que as coisas dêem mais certo do que deram no passado", afirma.

Produções ricas
Depois de "Terra Estrangeira", Salles realizou "Central do Brasil" (1998), que o "catapultou para um universo de carreira em que passou a fazer produções muito mais ricas e profissionais, de caráter americano", como observa Thomas.
"Acho que, quando ele liga pra mim, quando se aproxima novamente para fazer um projeto, pensa naquela experiência de "Terra Estrangeira", que é uma espécie de paradigma de um cinema apaixonante de realizar -com agilidade e uma equipe pequena, um projeto que não vai além da capacidade dele de geri-lo", diz a diretora.
"Linha de Passe" foi feito com aproximadamente R$ 4 milhões, obtidos com a venda antecipada do filme a distribuidores estrangeiros, o que, segundo Salles, lhe deu "uma liberdade total de ação, inclusive para ficar mudando o roteiro constantemente, porque não havia ninguém vendo se a gente estava filmando o que tinha sido mostrado [no projeto]".
Mantendo em paralelo projetos nacionais e internacionais, Salles afirma que "você se fortalece à medida que volta ao ponto de partida e, às vezes, você se distancia para entender melhor de onde vem".
Se daqui a 20 anos "Linha de Passe" terá respondido aos brasileiros quem somos e para onde vamos, ele é "incapaz de dizer". Tudo o que assegura é que "este é um filme que termina em aberto, que lhe convida a vivenciar o dia-a-dia de uma família e não mais do que isso".


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