São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2010

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CRÍTICA DVD

Sirk comprova valor de pequenas histórias

Dois filmes de fases distintas do cineasta (1900-1987) atestam maior habilidade com argumentos capengas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

De Douglas Sirk já se disse que, quanto pior a história, melhor o resultado dos filmes. Não é uma verdade final, mas aponta para algo interessante: Sirk era capaz de transformar argumentos andrajosos em melodramas maravilhosos.
"Tudo que o Céu Permite", feito para a Universal por encomenda do produtor Ross Hunter, é um bom exemplo disso: numa pequena cidade, uma viúva (Jane Wyman) se apaixona pelo jardineiro. Aliás, não é bem de jardineiro que se trata: ele é mais alguém ligado à natureza, uma espécie de ecologista "avant la lettre".
O certo é que, mesmo sendo ele Rock Hudson, o galã de maior prestígio nos anos 50 do século passado, as vizinhas só veem inconvenientes nessa aproximação da viúva com a classe inferior.
Os filhos, então, nem se fala. E Jane Wyman hesita: como ficar contra seus amigos, sua cidade, sua família? Ela deve renunciar ao amor.

VISÃO CRÍTICA
Ao se apropriar desse material, Sirk comporá um belo quadro cultural de uma cidade interiorana dos EUA, quer dizer, uma cidade que vive impulsionada basicamente por fofocas e preconceitos.
Como bom alemão que era, aproveitará a oportunidade para colocar em contraponto a natureza -tão cultivada por Hudson.
É desse filme uma das melhores cenas de sua carreira e daquela década: o momento cheio de ironia em que o filho presenteia a mãe com uma televisão e o vendedor explica como, com um mero toque no botão, ela terá a própria vida em suas mãos.
De outra natureza é "Summer Storm - O que Matou por Amor" (1944), adaptação do romance "O Duelo", de Tchecov, que Sirk realizou com produção independente.
Linda Darnell faz Olga, garota linda, pobre e arrivista, capaz de seduzir praticamente qualquer homem na Rússia pré-revolucionária em que Sirk situou a ação.
Arrivista, mas não simplista, nem sempre se sabe qual o seu maior interesse: se pelas riquezas que os homens lhe podem oferecer ou se pelo juiz George Sanders.
Apesar da bela realização, sente-se aqui um Sirk ainda não de todo integrado aos EUA, para onde viera fugindo da Alemanha de Hitler.
Daí a oscilação entre um filme com atores tão tipicamente americanos, ambientado numa Rússia que, por deficiência de produção ou devido ao afastamento de Sirk da Europa, parece uma Rússia de fantasia.
Talvez Sirk tenha razão ao sustentar que, no cinema, as pequenas histórias se dão melhor. Um argumento capenga vale mais do que Tchecov. Ou talvez tenha razão quem afirma que o melhor de Sirk surge quando tirava água de pedra.
O fato é que, se "Summer Storm" está longe de ser um mau filme, "Tudo que o Céu Permite" é a obra-prima.

TUDO QUE O CÉU PERMITE
LANÇAMENTO Versátil
QUANTO R$ 40 (em média)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo

SUMMER STORM - O QUE MATOU POR AMOR
LANÇAMENTO ClassicLine
QUANTO R$ 30 (em média)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom


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