São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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Governo libera testes na av. Paulista para aumentar TVs

Mudança de canais da periferia, um deles de Gugu, para SP gera desconfiança de grandes redes

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Quatro canais de TV de baixa potência, que só poderiam transmitir para algumas cidades da Grande São Paulo, receberam da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) autorização para se instalarem na nobre e congestionada avenida Paulista, onde estão os transmissores da maioria das grandes redes.
Um dos canais, o 51, pertence ao apresentador Gugu Liberato, do SBT, e retransmite a TV Diário, de Fortaleza, com telejornais policiais e programas de forró. Sua autorização original é para operar como retransmissora em Arujá, a 38 km do centro de São Paulo. Os outros canais são o 58, de Guarulhos (a 15 km da praça da Sé), o 52, de São Lourenço da Serra (56 km), e o 57, de Juquitiba (78 km).
Instalados na Paulista, esses canais ampliaram suas coberturas não só para áreas nobres da capital mas também para boa parte das cidades da Grande São Paulo. Pagaram taxas de no máximo R$ 351 por uso de freqüência para atuar em um mercado em que uma concessão vale no mínimo R$ 20 milhões. E geraram muitas reclamações das grandes redes. A Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) chama a operação de "invasão".
A Anatel autorizou esses canais a operarem na Paulista para "realizar avaliação de desempenho de filtros em canais analógicos adjacentes, com o objetivo de verificar a melhoria da qualidade das coberturas por suas estações".
Traduzindo, os testes servirão para constatar se o canal 51, por exemplo, pode existir ao lado do 52, ambos transmitindo de um mesmo ponto, sem causar interferências um no outro. Até hoje, as regras internacionais recomendam um intervalo de pelo menos um canal entre uma emissora e outra (exceto entre os canais 4 e 5 e entre o 13 e o 14).
O resultado dos testes pode levar a um congestionamento ainda maior do espectro eletromagnético de São Paulo. Hoje, já existem 25 canais operando na cidade. Desses, cinco são originais de cidades da região metropolitana.
Segundo a Anatel, os testes poderão concluir pela viabilidade de um aumento de 15% no número de canais na cidade. Isso será importante, segundo a agência, durante a fase de transição da tecnologia analógica (a atual) para a digital. Nesse período, que pode levar até 15 anos, cada emissora terá que transmitir em um canal analógico e em um digital.

Fora do ar
As autorizações para os quatro canais operarem na avenida Paulista venceram em agosto. Todos eles já saíram do ar ou voltaram para suas cidades originais. Aguardam uma nova autorização da Anatel, para mais testes.
A primeira autorização da Anatel foi dada, diretamente aos canais, em 10 de janeiro de 2003 e valia por 90 dias. Em agosto de 2003, a Anatel deu outra autorização, por um ano, mas para a empresa RF Telecomunicações, fabricante de transmissores e filtros contra interferências. A RF é ligada a um dos quatro canais, o 57, e não nega interesse comercial em provar que canais adjacentes (o 51 e o 52, por exemplo) podem transmitir de um mesmo local. Isso aumenta o número de canais disponíveis em todo o país. E a empresa venderá mais.
As autorizações da Anatel para os quatro canais operarem na Paulista, a título de testes, gerou preocupação nas grandes redes de TV. Elas temem que os testes sirvam apenas para viabilizar a transferência definitiva desses canais para a avenida Paulista. E que outros sete canais da Grande São Paulo, na mesma situação que eles, reivindiquem também o direito de operar na capital.
A Anatel diz que isso não vai ocorrer, que os quatro canais apenas serviram de cobaias. A agência fez questão de registrar nos atos que autorizaram os testes que os canais não poderão, no futuro, reivindicar qualquer direito adquirido. Mas, para as grandes redes, isso não impede que um ou outro consiga na Justiça uma liminar que lhe dê o direito de operar na Paulista. Podem até evocar o direito do consumidor, prejudicado com a interrupção da programação após os testes.
Operar na Paulista, aliás, é o sonho de pelo menos um dos participantes dos testes. "São Paulo é imprescindível para qualquer rede nacional de televisão e, se não for por meio desses testes, que não têm essa específica finalidade, teremos que estar presentes nesse mercado através de uma afiliada", afirma Gugu Liberato, que não esconde a intenção de criar uma rede. Gugu, no entanto, só possui canais retransmissores (como o 51, de Arujá), que não podem gerar programação própria (por isso retransmite a TV do Ceará).
Para montar uma rede, o apresentador precisa de uma geradora. Há dois anos, ele luta na Justiça para reverter a anulação de uma concessão que comprou no Mato Grosso. A partir dessa concessão, ele poderá formar uma rede com os canais retransmissores que possui. Levar o 51, de Arujá, para São Paulo, o maior mercado do país, é fundamental.
As grandes redes também questionam a qualidade dos testes. A Globo enviou à RF uma carta em que, em outras palavras, afirmava que os testes não são sérios.
Para as redes, os filtros da RF teriam que primeiro ser testados em laboratórios. Mas, nesse caso, as medições de laboratório foram feitas com os canais em plena avenida Paulista. Questiona-se também o fato de, durante os testes, os canais terem transmitido programações comerciais, e não barras de cores. Afirma-se ainda que não há mais espaço para novos canais em São Paulo, e que os canais digitais já estão reservados.
Para a Abert, os testes na Paulista são uma "alteração de foco". "A invasão do espectro dificulta a migração da tecnologia analógica para a digital", diz José Inácio Pizani, presidente da Abert. "A partir do momento em que se desenvolvem discussões sobre filtros e outras coisas, tira-se o foco principal que é o direito do telespectador receber TV digital de alta definição", completa.

Canais
Além dos quatro canais (o 51, 52, 57 e 58), participaram dos testes o 59, de Cotia, que já tem autorização para operar na Paulista, sob o pretexto de que na avenida consegue melhorar a cobertura em sua cidade de origem.
O canal 59 está em nome da Associação Cotia de Comunicação e retransmite a programação da católica carismática TV Século 21.
O canal 57, que participa dos testes na Paulista, também tem programação religiosa. Ele retransmite a RIT (Rede Internacional de Televisão), do missionário RR Soares, líder da evangélica Igreja Internacional da Graça.
O canal está registrado em nome do Instituto Jeison da Criança. A entidade é dirigida pela mulher de um dos sócios da RF.
O canal 52 está em nome da Sociedade Educacional TV São Lourenço. A entidade é controlada por Paulo de Abreu, dono da Rede CBS. A TV CBS, marca do canal 52, estampa em seu site que tem "torre de transmissão na avenida Paulista". Uma das torres usadas no teste é de Abreu.
Abreu controla diretamente dez emissoras de rádio em São Paulo. É conhecido nas FMs pela capacidade de comprar emissoras quebradas nos arredores de São Paulo e trazê-las para a capital.
O canal 58, de Guarulhos, pertence à Fundação Ernesto Benedito de Camargo, da mesma família dona das rádios 89 FM e Nativa.


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