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Governo libera testes na av. Paulista para aumentar TVs
Mudança de canais da periferia, um deles de Gugu, para SP gera desconfiança de grandes redes
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Quatro canais de TV de baixa
potência, que só poderiam transmitir para algumas cidades da
Grande São Paulo, receberam da
Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) autorização para se instalarem na nobre e congestionada avenida Paulista, onde
estão os transmissores da maioria
das grandes redes.
Um dos canais, o 51, pertence ao
apresentador Gugu Liberato, do
SBT, e retransmite a TV Diário, de
Fortaleza, com telejornais policiais e programas de forró. Sua
autorização original é para operar
como retransmissora em Arujá, a
38 km do centro de São Paulo. Os
outros canais são o 58, de Guarulhos (a 15 km da praça da Sé), o 52,
de São Lourenço da Serra (56
km), e o 57, de Juquitiba (78 km).
Instalados na Paulista, esses canais ampliaram suas coberturas
não só para áreas nobres da capital mas também para boa parte
das cidades da Grande São Paulo.
Pagaram taxas de no máximo R$
351 por uso de freqüência para
atuar em um mercado em que
uma concessão vale no mínimo
R$ 20 milhões. E geraram muitas
reclamações das grandes redes. A
Abert (Associação Brasileira das
Emissoras de Rádio e Televisão)
chama a operação de "invasão".
A Anatel autorizou esses canais
a operarem na Paulista para "realizar avaliação de desempenho de
filtros em canais analógicos adjacentes, com o objetivo de verificar
a melhoria da qualidade das coberturas por suas estações".
Traduzindo, os testes servirão
para constatar se o canal 51, por
exemplo, pode existir ao lado do
52, ambos transmitindo de um
mesmo ponto, sem causar interferências um no outro. Até hoje,
as regras internacionais recomendam um intervalo de pelo menos
um canal entre uma emissora e
outra (exceto entre os canais 4 e 5
e entre o 13 e o 14).
O resultado dos testes pode levar a um congestionamento ainda
maior do espectro eletromagnético de São Paulo. Hoje, já existem
25 canais operando na cidade.
Desses, cinco são originais de cidades da região metropolitana.
Segundo a Anatel, os testes poderão concluir pela viabilidade de
um aumento de 15% no número
de canais na cidade. Isso será importante, segundo a agência, durante a fase de transição da tecnologia analógica (a atual) para a digital. Nesse período, que pode levar até 15 anos, cada emissora terá
que transmitir em um canal analógico e em um digital.
Fora do ar
As autorizações para os quatro
canais operarem na avenida Paulista venceram em agosto. Todos
eles já saíram do ar ou voltaram
para suas cidades originais.
Aguardam uma nova autorização
da Anatel, para mais testes.
A primeira autorização da Anatel foi dada, diretamente aos canais, em 10 de janeiro de 2003 e
valia por 90 dias. Em agosto de
2003, a Anatel deu outra autorização, por um ano, mas para a empresa RF Telecomunicações, fabricante de transmissores e filtros
contra interferências. A RF é ligada a um dos quatro canais, o 57, e
não nega interesse comercial em
provar que canais adjacentes (o 51
e o 52, por exemplo) podem
transmitir de um mesmo local. Isso aumenta o número de canais
disponíveis em todo o país. E a
empresa venderá mais.
As autorizações da Anatel para
os quatro canais operarem na
Paulista, a título de testes, gerou
preocupação nas grandes redes
de TV. Elas temem que os testes
sirvam apenas para viabilizar a
transferência definitiva desses canais para a avenida Paulista. E que
outros sete canais da Grande São
Paulo, na mesma situação que
eles, reivindiquem também o direito de operar na capital.
A Anatel diz que isso não vai
ocorrer, que os quatro canais apenas serviram de cobaias. A agência fez questão de registrar nos
atos que autorizaram os testes que
os canais não poderão, no futuro,
reivindicar qualquer direito adquirido. Mas, para as grandes redes, isso não impede que um ou
outro consiga na Justiça uma liminar que lhe dê o direito de operar na Paulista. Podem até evocar
o direito do consumidor, prejudicado com a interrupção da programação após os testes.
Operar na Paulista, aliás, é o sonho de pelo menos um dos participantes dos testes. "São Paulo é
imprescindível para qualquer rede nacional de televisão e, se não
for por meio desses testes, que
não têm essa específica finalidade,
teremos que estar presentes nesse
mercado através de uma afiliada",
afirma Gugu Liberato, que não esconde a intenção de criar uma rede. Gugu, no entanto, só possui
canais retransmissores (como o
51, de Arujá), que não podem gerar programação própria (por isso retransmite a TV do Ceará).
Para montar uma rede, o apresentador precisa de uma geradora. Há dois anos, ele luta na Justiça
para reverter a anulação de uma
concessão que comprou no Mato
Grosso. A partir dessa concessão,
ele poderá formar uma rede com
os canais retransmissores que
possui. Levar o 51, de Arujá, para
São Paulo, o maior mercado do
país, é fundamental.
As grandes redes também questionam a qualidade dos testes. A
Globo enviou à RF uma carta em
que, em outras palavras, afirmava
que os testes não são sérios.
Para as redes, os filtros da RF teriam que primeiro ser testados
em laboratórios. Mas, nesse caso,
as medições de laboratório foram
feitas com os canais em plena avenida Paulista. Questiona-se também o fato de, durante os testes,
os canais terem transmitido programações comerciais, e não barras de cores. Afirma-se ainda que
não há mais espaço para novos
canais em São Paulo, e que os canais digitais já estão reservados.
Para a Abert, os testes na Paulista são uma "alteração de foco". "A
invasão do espectro dificulta a migração da tecnologia analógica
para a digital", diz José Inácio Pizani, presidente da Abert. "A partir do momento em que se desenvolvem discussões sobre filtros e
outras coisas, tira-se o foco principal que é o direito do telespectador receber TV digital de alta definição", completa.
Canais
Além dos quatro canais (o 51,
52, 57 e 58), participaram dos testes o 59, de Cotia, que já tem autorização para operar na Paulista,
sob o pretexto de que na avenida
consegue melhorar a cobertura
em sua cidade de origem.
O canal 59 está em nome da Associação Cotia de Comunicação e
retransmite a programação da católica carismática TV Século 21.
O canal 57, que participa dos
testes na Paulista, também tem
programação religiosa. Ele retransmite a RIT (Rede Internacional de Televisão), do missionário
RR Soares, líder da evangélica
Igreja Internacional da Graça.
O canal está registrado em nome do Instituto Jeison da Criança.
A entidade é dirigida pela mulher
de um dos sócios da RF.
O canal 52 está em nome da Sociedade Educacional TV São Lourenço. A entidade é controlada
por Paulo de Abreu, dono da Rede CBS. A TV CBS, marca do canal 52, estampa em seu site que
tem "torre de transmissão na avenida Paulista". Uma das torres
usadas no teste é de Abreu.
Abreu controla diretamente dez
emissoras de rádio em São Paulo.
É conhecido nas FMs pela capacidade de comprar emissoras quebradas nos arredores de São Paulo e trazê-las para a capital.
O canal 58, de Guarulhos, pertence à Fundação Ernesto Benedito de Camargo, da mesma família
dona das rádios 89 FM e Nativa.
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