São Paulo, sexta-feira, 05 de outubro de 2007

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"Tropa' faz apologia do Estado policial"

Avaliação de Lúcia Murat é compartilhada por alguns cineastas; há "problemas sérios do ponto de vista humanista", diz Ratton

Longa de José Padilha foge "do viés maniqueísta", afirma Reichenbach; diretor rebate críticas e diz ser alvo de "linchamento moral"

David Prichard/Divulgação
O ator Wagner Moura em cena do longa


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O cineasta José Padilha diz que seu objetivo com o longa "Tropa de Elite" -que estréia hoje no Rio e em São Paulo e, na próxima sexta, nos demais Estados- é "provocar o debate sobre a segurança pública no Brasil". A maior discussão em torno do filme, no entanto, tem sido outra. Ao adotar a perspectiva da polícia na guerra urbana instalada no Rio a partir do comércio ilegal de drogas, o diretor foi para a linha de tiro.
"O que mais me chocou foi a ansiedade que o público está tendo para ver esse filme. É como se ele estivesse exercitando a sedução pela violência", afirma a diretora Lúcia Murat.
Autora de "Que Bom Te Ver Viva" (1989), sobre mulheres que sobreviveram à tortura pelo regime militar, Murat avalia que "a intenção do Padilha não foi fazer uma apologia da tortura, mas o filme perdeu o controle e terminou sendo uma apologia do Estado policial".
"Tropa de Elite" é narrado em primeira pessoa pelo capitão Nascimento (Wagner Moura), um oficial do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) da PM do Rio, que, prestes a ter seu primeiro filho, quer se afastar do batalhão, mas não sem deixar um sucessor em seu lugar.
"Esse é o personagem mais heroicizado do filme. Diante dele, todos os outros são frágeis", afirma Murat.

Caricatura
Tem avaliação semelhante o diretor Bruno Barreto, que prepara atualmente uma versão ficcional do documentário "Ônibus 174", com que Padilha conquistou prêmios no Brasil e no exterior, incluindo um troféu da Anistia Internacional.
"Eu me decepcionei. Esperava mais. Falta complexidade ao filme. Ele humaniza o Bope, o que é muito bacana, mas não humaniza os outros personagens, que ficaram caricatos", afirma Barreto.
"Quando se trata de um assunto tão importante quanto à segurança pública, é preciso ter cuidado. Acho que o filme peca em vários momentos, por simplificar a situação", diz.
Na opinião do cineasta Helvécio Ratton, que filmou a tortura de modo explícito em "Batismo de Sangue", lançado neste ano, "Tropa de Elite" é um filme "de competência narrativa inegável, que usa todos os cacoetes da linguagem moderna, mas com problemas sérios do ponto de vista humanista".
Ao comparar sua obra com a de Padilha, Ratton diz: "Em "Batismo de Sangue", a violência está posta de forma explícita, dentro de um filme que é um libelo contra a tortura. No caso da tortura em "Tropa de Elite", não sinto dessa forma. Acho que ele realiza o desejo de parte da classe média de que bandido bom é bandido morto".
O diretor Carlos Reichenbach, que se define como um cidadão "de posturas anarco-libertárias" e admite haver assistido a "Tropa de Elite" "de maneira corsária", acha que o filme "escapa do viés maniqueísta de mostrar a violência sempre sob o prisma do marginal e, por isso, pode ser compreendido de forma errônea".
Reichenbach, para quem "a representação da violência é uma mostarda -um tema muito ardido e, para nós, sempre muito traumático", afirma não acreditar "que a visão do realizador [de "Tropa de Elite'] seja a favor do uso da força, da truculência".
O cineasta Hector Babenco, autor de "Carandiru" e membro da comissão que na semana passada elegeu "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" como aspirante brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro, descartando as pretensões de "Tropa...", disse: "Não discuto se [o filme de Padilha] é de direita, se é de esquerda, se é estética americana, se o Bope é fascista ou não é. Não me interessa. O que me interessa é que eu não me emocionei com o filme. Posso ter me aterrorizado em algum momento, mas essa não é uma sensação que eu busco no cinema".

Patrulha ideológica
Padilha classifica as críticas de que tem sido alvo como "patrulhamento ideológico" e acha que estão relacionadas ao sucesso popular do filme. "Filmes que têm alcance popular são sempre patrulhados na sociedade brasileira", afirma.
A existência de antecessores não elimina o desagrado de Padilha com o que classifica como "linchamento moral" a que seu filme está sendo submetido.
"É uma puta injustiça comigo, uma atitude covarde, que prescinde da argumentação. Eu quase morro fazendo um filme que vai denunciar o absurdo da tortura, aí vem um idiota e fala que eu estou glorificando a tortura?", desabafa.
Durante as filmagens de "Tropa de Elite", a equipe sofreu assalto, perdeu um carregamento de armas adaptadas para festim e a garantia de segurança para voltar a filmar na favela. Os trabalhos ficaram interrompidos por dez dias.
Padilha diz que somente usando "os óculos do patrulhamento ideológico" alguém pode pode atribuir o caráter heróico ao personagem de Nascimento. "Ele é um homem que sofre crise de pânico e quer sair do Bope, porque descobre que a ideologia em que acreditava não é compatível com uma família, o mínimo núcleo de uma sociedade civilizada. Essa é a premissa do personagem."


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