São Paulo, sexta-feira, 05 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Festival faz retrospectiva de Kenneth Anger e cinema "queer"

Cinesesc recebe hoje clássicos underground censurados por conteúdo gay

SILAS MARTÍ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ele vendeu tudo e trocou Beverly Hills pela França quando soube que seu filme estava no Festival du Film Maudit, organizado por Jean Cocteau em 1949. Conviveu com Jean Genet e ficou 12 anos em Paris ao lado de Henri Langlois, na Cinemateca Francesa. Com um lenço de seda, impediu que Marianne Faithfull se matasse num jantar na casa de Mick Jagger, décadas depois.
O cineasta norte-americano Kenneth Anger marcou presença sutil entre os gênios do século 20, da arte de vanguarda à cultura pop. Pouco conhecida, sua filmografia de 11 curtas -que desembarcam agora no Brasil- foi uma leitura iconográfica do lado B de uma sociedade que ganhou músculos e se tornou hegemônica -Anger é tido como o pai do cinema gay e o criador do videoclipe.
Aos 80 anos, parece frágil, mas trouxe na bagagem dois filmes recém-terminados, que pediu para incluir na primeira retrospectiva de sua obra no Brasil, que começa hoje no Cinesesc. A mostra integra o 16º Videobrasil, que reúne clássicos underground censurados pelo conteúdo homoerótico.
Anger fez "Fireworks", seu primeiro curta, em 1947. Considerado por ele mesmo um "clássico psicossexual", o filme é a tradução de um sonho do cineasta: um homem fantasia com outros no banheiro masculino e depois apanha de um grupo de marinheiros.
Em preto-e-branco, a fita é um "chiaroscuro" macabro de sangue, leite e vísceras. Ganhou o prêmio de filme poético no festival de Cocteau e estabeleceu nos anos 40 uma linha de fetiches mais tarde explorados por outros expoentes do chamado "queer cinema".
De volta aos EUA após 12 anos na França, Anger fez "Kustom Kar Kommandos" e "Scorpio Rising", sobre a cultura dos motoqueiros de Nova York. Com cores gritantes, o uso da música pop e rock como base da edição -Mick Jagger fez a trilha de "Invocation of My Demon Brother" com um sintetizador Moog- e ênfase nos contornos do corpo masculino, ele tenta glorificar o homem americano e a inocência viril de meninos e máquinas.
Anger reconhece que contribuiu para o surgimento de uma sensibilidade gay na arte dos EUA, mas rejeita o rótulo "queer". "Não gosto de colocar as coisas num gueto, de dizer que isso é ou não gay", diz.

Morte e vida
Ele diz que gostava que os atores fossem reflexos dos personagens. Escolheu Marianne Faithfull, suicida e viciada em heroína, para ser o arquétipo feminino do diabo em "Lucifer Rising", homenagem de Anger a seu santo padroeiro.
No mesmo filme, Donald Cammell fez Osíris, o deus da morte. "Eu pedi que fizesse o papel porque ele sempre falava de suicídio. É claro que anos depois ele se matou com um tiro na cabeça. Eu não o forcei a isso, mas entrou bem na história. Cocteau teria achado lindo."


Texto Anterior: Crítica/"Propriedade Privada": Filme belga faz belo e delicado registro das relações familiares
Próximo Texto: Louis Arms trong é tema de 3º volu me da Coleç ão Folha
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.