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Festival faz retrospectiva de Kenneth Anger e cinema "queer"
Cinesesc recebe hoje clássicos underground censurados por conteúdo gay
SILAS MARTÍ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ele vendeu tudo e trocou Beverly Hills pela França quando
soube que seu filme estava no
Festival du Film Maudit, organizado por Jean Cocteau em
1949. Conviveu com Jean Genet e ficou 12 anos em Paris ao
lado de Henri Langlois, na Cinemateca Francesa. Com um
lenço de seda, impediu que Marianne Faithfull se matasse
num jantar na casa de Mick
Jagger, décadas depois.
O cineasta norte-americano
Kenneth Anger marcou presença sutil entre os gênios do
século 20, da arte de vanguarda
à cultura pop. Pouco conhecida, sua filmografia de 11 curtas
-que desembarcam agora no
Brasil- foi uma leitura iconográfica do lado B de uma sociedade que ganhou músculos e se
tornou hegemônica -Anger é
tido como o pai do cinema gay e
o criador do videoclipe.
Aos 80 anos, parece frágil,
mas trouxe na bagagem dois filmes recém-terminados, que
pediu para incluir na primeira
retrospectiva de sua obra no
Brasil, que começa hoje no Cinesesc. A mostra integra o 16º
Videobrasil, que reúne clássicos underground censurados
pelo conteúdo homoerótico.
Anger fez "Fireworks", seu
primeiro curta, em 1947. Considerado por ele mesmo um
"clássico psicossexual", o filme
é a tradução de um sonho do cineasta: um homem fantasia
com outros no banheiro masculino e depois apanha de um
grupo de marinheiros.
Em preto-e-branco, a fita é
um "chiaroscuro" macabro de
sangue, leite e vísceras. Ganhou
o prêmio de filme poético no
festival de Cocteau e estabeleceu nos anos 40 uma linha de
fetiches mais tarde explorados
por outros expoentes do chamado "queer cinema".
De volta aos EUA após 12
anos na França, Anger fez
"Kustom Kar Kommandos" e
"Scorpio Rising", sobre a cultura dos motoqueiros de Nova
York. Com cores gritantes, o
uso da música pop e rock como
base da edição -Mick Jagger
fez a trilha de "Invocation of
My Demon Brother" com um
sintetizador Moog- e ênfase
nos contornos do corpo masculino, ele tenta glorificar o homem americano e a inocência
viril de meninos e máquinas.
Anger reconhece que contribuiu para o surgimento de uma
sensibilidade gay na arte dos
EUA, mas rejeita o rótulo
"queer". "Não gosto de colocar
as coisas num gueto, de dizer
que isso é ou não gay", diz.
Morte e vida
Ele diz que gostava que os
atores fossem reflexos dos personagens. Escolheu Marianne
Faithfull, suicida e viciada em
heroína, para ser o arquétipo
feminino do diabo em "Lucifer
Rising", homenagem de Anger
a seu santo padroeiro.
No mesmo filme, Donald
Cammell fez Osíris, o deus da
morte. "Eu pedi que fizesse o
papel porque ele sempre falava
de suicídio. É claro que anos depois ele se matou com um tiro
na cabeça. Eu não o forcei a isso, mas entrou bem na história.
Cocteau teria achado lindo."
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