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São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003

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MÚSICA

CABEÇA DINOSSAURO


Titãs reaparecem debatendo artes visuais, política, tropicália, TV e o futuro da indústria fonográfica e dos CDs conceituais


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Paulo Miklos, 44, afirma que "superação" é o tema da maioria dos novos rocks -aos poucos, os outros quatro Titãs vão concordando com ele.
Falam de um ciclo que começou com a morte prematura de Marcelo Fromer (1961-2001), teve ápice de crise na desistência de Nando Reis, 41, e se encerra, ao que eles dizem, no novo disco "Como Estão Vocês?".
A saída de Nando, dizem, está assimilada. Sérgio Britto, 44, é quem descreve: "A banda às vezes tem a tendência de satanizar um dos integrantes, mas não é nada disso. Talvez aquilo estivesse atrapalhando todo mundo. Nando está bem, desfrutando a vida dele".
Tony Bellotto, 43, completa: "E nós estamos desfrutando positivamente a superação da saída dele, satisfeitos de conseguir fazer o novo disco". Miklos descontrai: "Como o próprio Nando falou, é a teoria da lagartixa. É impressionante a facilidade com que as coisas se regeneram".

Saudades da tropicália
Pois os Titãs promovem outra regeneração em "Como Estão Vocês?". O projeto gráfico do CD marca a volta ao grande mercado do estilista visual dos discos tropicalistas de 35 anos atrás. É Rogério Duarte, 64, agora em parceria com o filho Rogério Duarte Filho.
Com ele voltam à capa de um disco brasileiro as cores verde e amarela, mas coalhadas de vermelho, como acontecia no "Gilberto Gil" tropicalista de 1968.
"Não digo que o vermelho seja diretamente o PT, embora ache que o Brasil vive um momento que merecia essa citação. Representando o sangue e a carne, o vermelho também critica o verde-amarelo", desvenda o artista.
"Houve resistência de alguns deles em relação à coisa chapada, brutal, quanto ao verde-amarelo mesmo", conta Duarte.
"Tive que dar uma de estrela, quase de buraco negro com alguns lampejos de ego. Disse que se me chamaram iam ter que me engolir. Não estava ali para escolher qual titã está mais bonitinho na foto", finaliza.

Saudades do Brasil
Os Titãs não negam certo temor de efeitos patrióticos e panfletários que a capa possa provocar. "O sentido é de brasilidade, não patriótico. Ninguém aqui tem 20 anos, não podemos ser ingênuos ou panfletários", decreta Britto. "Estamos longe de estar partidários", delimita Miklos.
Branco Mello, 41, vem relativizar: "Talvez a idéia do Rogério pareça exagerada frente ao disco todo, mas entendo que ele tenha visto isso. Por menor que seja, tem um peso importante no CD".
Temas classificáveis como políticos atravessam os rocks "KGB" (que teme a volta de torturadores e outros extremistas), "A Guerra É Aqui" e "Pelo Avesso".
Miklos, autor de "KGB" com Britto, diz acreditar na atualidade de duvidar do clima de liberdade vivido pelo Brasil de Lula.
"A polícia ainda tortura, a impunidade continua. São coisas presentes, apenas estão submersas", afirma, remetendo à letra que cita agentes da KGB, do Dops, da CIA, da Ku-Klux-Klan e do Terceiro Reich e afirma, como refrão: "Ainda vão todos voltar".
Política mais estética tropicalista, os Titãs não querem ver saudosismo nos retornos que patrocinam. "Não vejo como saudosista reavivar coisas importantes que estavam esquecidas", diz Britto.
"A capa de "Cabeça Dinossauro" (86) não estava pensando no momento que Leonardo da Vinci viveu", argumenta Bellotto.

Saudades da indústria
E os Titãs, o que estariam pensando do momento de grave retração que vive a indústria a que pertencem? Dizem que as vendagens caíram. Que a crise afeta a todos, embora afete mais os artistas em início de carreira. Que os shows são seu ganha-pão -e que continuam bem.
Dizem que "Gina", rock que ironiza a trajetória de ascensão e queda de uma celebridade, lembra a novela global das oito apenas por coincidência. O autor de "Celebridade", Gilberto Braga, escolheu a otimista "Enquanto Houver Sol", e não "Gina", para a trilha da novela.
""Enquanto Houver Sol" fala de superação, tinha a ver com o personagem alcoólatra da novela", insiste Miklos, falando da música que vai alavancar "Como Estão Vocês?" nas rádios.
Bellotto verbaliza a ameaça diante da largamente propalada derrocada do formato CD. "Para mim é fundamental acreditar na sobrevivência dos álbuns", diz, celebrando o caráter conceitual, de conjunto de idéias, de "Como Estão Vocês?".
Citam o fim da isenção parcial do imposto ICMS para a indústria fonográfica, programada para o ano que vem. "A indústria vai cair na real, vai levar três a cinco anos para se refazer", diz Miklos.
"O governo devia ter uma postura mais séria frente à música e ao esporte, que são o que o Brasil sabe fazer melhor. A música podia ser uma fonte de renda muito maior para o Estado", critica Charles Gavin, 43.
"É uma transformação, não uma falência", opina Bellotto. "Vamos enfrentar, vamos ter que mudar", enfrenta Mello.


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