São Paulo, sábado, 05 de novembro de 2005

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ENSAIO/"DA INDEPENDÊNCIA A LULA: DOIS SÉCULOS DE POLÍTICA BRASILEIRA"

A experiência republicana em revisão

MARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No final dos anos 70, Bolívar Lamounier redefiniu os termos do debate sobre a transição do autoritarismo para a democracia no Brasil. Contra a corrente, afirmou que a disputa eleitoral entre governo e oposição desempenhava um papel central e sua dinâmica definiria o curso da transição do autoritarismo para o Estado de Direito. Chamando a atenção para a dimensão institucional da política, Lamounier produziu, sem dúvida, as análises mais argutas sobre nossa marcha rumo à democracia.
É uma vez mais a sensibilidade à importância das instituições que constitui o fio condutor de "Da Independência a Lula: Dois Séculos de Política Brasileira". O livro, escrito no estilo de grande ensaio, reúne trabalhos produzidos em diferentes momentos sobre os períodos diversos de nossa história. Une-os o foco comum posto nas escolhas institucionais, suas razões de ser e suas conseqüências para o funcionamento do sistema político. Assim, a análise começa com a opção pelo regime representativo, logo após a independência e o significado desta experiência durante o período monárquico. "O Brasil do século 19 praticou com razoável amplitude a política parlamentar e eleitoral", conclui Lamounier. E esta foi uma experiência fundadora e essencial para o que veio depois.
O segundo período importante em nossa trajetória corresponde ao ciclo getulista. Uma vez mais, Lamounier destaca o arcabouço institucional constituído pelo corporativismo sindical, presidência plebiscitária e consociativismo -mecanismo de acomodação da diversidade de interesses por meio da dispersão de centros de poder, graças ao federalismo, e da representação política fragmentada, assegurada pelo sistema eleitoral proporcional e por regras frouxas de formação de partidos. Em circunstâncias de incorporação das massas à política e de crescente polarização, a tensão entre esses três componentes, em especial entre arranjo consociativo e presidência plebiscitária, estiveram, segundo o autor, na raiz da crise que enterrou nosso primeiro experimento democrático, entre 1946 e 1964.
Mais da metade do livro está dedicada à análise dos últimos 20 anos de democracia, governo a governo, e ao tema da reforma política, que permaneceu na agenda durante todo o período. Diverso, em muitos aspectos, da democracia da Constituição de 1946, o sistema político da Constituição de 1988 restabeleceu as instituições básicas de então: federalismo, presidencialismo, multipartidarismo, representação proporcional. Outra vez, reitera Lamounier, o sistema político baseia-se na combinação potencialmente explosiva de consociativismo e hiperpresidencialismo e seu funcionamento parece depender antes da habilidade das lideranças do que das qualidades do travejamento institucional. Nesta medida, apesar da democracia ter resistido bem a turbulências de vários tipos, conclui ele, a necessidade de reforma política continua premente.
É possível discordar desta conclusão, bem como das propostas de reforma política que o autor defende. Bem ou mal, nossas instituições deram e estão dando provas não só de que resistem a crises, mas de que oferecem instrumentos adequados para superá-las. Mas, divergindo ou concordando de Bolívar Lamounier, o leitor interessado em política só tem a ganhar com esta visão original e polêmica de nossa experiência republicana.


Maria Hermínia Tavares de Almeida é professora titular do Departamento de Ciência Política da USP

Da Independência a Lula: Dois Séculos de Política Brasileira
    
Autor: Bolívar Lamounier
Editora: Augurium
Quanto: R$ 49 (320 págs.)


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