|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENSAIO/"DA INDEPENDÊNCIA A LULA: DOIS SÉCULOS DE POLÍTICA BRASILEIRA"
A experiência republicana em revisão
MARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No final dos anos 70, Bolívar Lamounier redefiniu os
termos do debate sobre a transição do autoritarismo para a democracia no Brasil. Contra a corrente, afirmou que a disputa eleitoral entre governo e oposição desempenhava um papel central e
sua dinâmica definiria o curso da
transição do autoritarismo para o
Estado de Direito. Chamando a
atenção para a dimensão institucional da política, Lamounier
produziu, sem dúvida, as análises
mais argutas sobre nossa marcha
rumo à democracia.
É uma vez mais a sensibilidade à
importância das instituições que
constitui o fio condutor de "Da
Independência a Lula: Dois Séculos de Política Brasileira". O livro,
escrito no estilo de grande ensaio,
reúne trabalhos produzidos em
diferentes momentos sobre os períodos diversos de nossa história.
Une-os o foco comum posto nas
escolhas institucionais, suas razões de ser e suas conseqüências
para o funcionamento do sistema
político. Assim, a análise começa
com a opção pelo regime representativo, logo após a independência e o significado desta experiência durante o período monárquico. "O Brasil do século 19 praticou com razoável amplitude a
política parlamentar e eleitoral",
conclui Lamounier. E esta foi uma
experiência fundadora e essencial
para o que veio depois.
O segundo período importante
em nossa trajetória corresponde
ao ciclo getulista. Uma vez mais,
Lamounier destaca o arcabouço
institucional constituído pelo corporativismo sindical, presidência
plebiscitária e consociativismo
-mecanismo de acomodação da
diversidade de interesses por
meio da dispersão de centros de
poder, graças ao federalismo, e da
representação política fragmentada, assegurada pelo sistema eleitoral proporcional e por regras
frouxas de formação de partidos.
Em circunstâncias de incorporação das massas à política e de crescente polarização, a tensão entre
esses três componentes, em especial entre arranjo consociativo e
presidência plebiscitária, estiveram, segundo o autor, na raiz da
crise que enterrou nosso primeiro
experimento democrático, entre
1946 e 1964.
Mais da metade do livro está dedicada à análise dos últimos 20
anos de democracia, governo a
governo, e ao tema da reforma
política, que permaneceu na
agenda durante todo o período.
Diverso, em muitos aspectos, da
democracia da Constituição de
1946, o sistema político da Constituição de 1988 restabeleceu as instituições básicas de então: federalismo, presidencialismo, multipartidarismo, representação proporcional. Outra vez, reitera Lamounier, o sistema político baseia-se na combinação potencialmente explosiva de consociativismo e hiperpresidencialismo e seu
funcionamento parece depender
antes da habilidade das lideranças
do que das qualidades do travejamento institucional. Nesta medida, apesar da democracia ter resistido bem a turbulências de vários tipos, conclui ele, a necessidade de reforma política continua
premente.
É possível discordar desta conclusão, bem como das propostas
de reforma política que o autor
defende. Bem ou mal, nossas instituições deram e estão dando
provas não só de que resistem a
crises, mas de que oferecem instrumentos adequados para superá-las. Mas, divergindo ou concordando de Bolívar Lamounier,
o leitor interessado em política só
tem a ganhar com esta visão original e polêmica de nossa experiência republicana.
Maria Hermínia Tavares de Almeida é
professora titular do Departamento de
Ciência Política da USP
Da Independência a Lula: Dois
Séculos de Política Brasileira
Autor: Bolívar Lamounier
Editora: Augurium
Quanto: R$ 49 (320 págs.)
Texto Anterior: Música: Ensaio aponta os dilemas da trajetória de Caetano Veloso Próximo Texto: Cinema: Bazin e Truffaut se complementam na crítica moderna Índice
|