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BIA ABRAMO
Tudo por dinheiro, inclusive a família
Na TV, tudo se faz por
dinheiro e, quanto mais
"de graça" é esse
dinheiro, melhor
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QUANDO SARTRE disse que "o
inferno são os outros", estava
longe de imaginar como "os
outros" tornaram-se decodificáveis
no supermercado de identidades
criado pelo consumo e pela mídia.
Em "Troca de Família", o novo reality show da Record, trabalha-se
com essa surpresa "programada".
São selecionadas duas famílias-tipo, a partir de uma escolha de origens geográficas, sócio-econômicas
e culturais diversas. A mãe -"por
que a mãe?" é uma pergunta que se
impõe- de uma família que convive
por uma semana com a outra, que
será em tudo contrastante com a
sua.
A previsão de conflitos e contrastes mas também da adaptabilidade
da "mãe"-aí, talvez, esteja uma das
respostas à pergunta anterior -, de
sua capacidade suposta e forçosamente "universal" de cuidar e acolher marido e filhos, ainda que
alheios, é o que tenta fazer a graça do
programa.
E, claro, há o dinheiro a que tudo
apazigua -mas, no caso de "Troca
de Família", com uma pitada, aí sim,
de surpresa mais ou menos genuína.
O negócio é que ambas as famílias
são agraciadas com um prêmio de
R$ 25 mil, mas cabe à outra mãe determinar como será gasto esse dinheiro. Nisso está uma espécie de julgamento moral-mercantil, o que,
na família alheia, deve ser consertado pelo poder terapêutico do dinheiro, que tem sido o foco maior de discordâncias e desgostos.
Engraçado que, mesmo de mentirinha, a emissora não controla, de fato, como a família vai empregar o
prêmio -é essa pegadinha do programa que tem gerado as tensões
mais reais.
Na primeira troca, a "ingenuidade" da trapezista itinerante que destinou R$ 10 mil para a faculdade de
medicina da filha da família rica e
outros tantos para a construção da
nova casa, fez cair por terra toda a
"simpatia" da perua ("filha, me empresta seus R$ 10 mil para comprar
as janelas da casa nova?").
Silvio Santos nunca foi tão profético quando atinou com o nome "Tudo por Dinheiro" para um de seus
programas mais repugnantes. Na
TV, tudo se faz por dinheiro -e
quanto mais de "graça" é o dinheiro,
melhor. Tudo bem que, por R$ 25
mil, mulheres enfrentam companheiros machistas, adolescentes insuportáveis, casas sujas e/ou de organização obsessiva.
Parece caro esse dinheiro, mas, no
dia-a-dia da vida real, a maioria das
pessoas não se submete a chefes
mal-humorados, trabalho cansativo,
transporte coletivo indigno, por um
salário muitas vezes menor?
biabramo.tv@uol.com.br
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