São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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BIA ABRAMO

Tudo por dinheiro, inclusive a família


Na TV, tudo se faz por dinheiro e, quanto mais "de graça" é esse dinheiro, melhor

QUANDO SARTRE disse que "o inferno são os outros", estava longe de imaginar como "os outros" tornaram-se decodificáveis no supermercado de identidades criado pelo consumo e pela mídia.
Em "Troca de Família", o novo reality show da Record, trabalha-se com essa surpresa "programada". São selecionadas duas famílias-tipo, a partir de uma escolha de origens geográficas, sócio-econômicas e culturais diversas. A mãe -"por que a mãe?" é uma pergunta que se impõe- de uma família que convive por uma semana com a outra, que será em tudo contrastante com a sua.
A previsão de conflitos e contrastes mas também da adaptabilidade da "mãe"-aí, talvez, esteja uma das respostas à pergunta anterior -, de sua capacidade suposta e forçosamente "universal" de cuidar e acolher marido e filhos, ainda que alheios, é o que tenta fazer a graça do programa.
E, claro, há o dinheiro a que tudo apazigua -mas, no caso de "Troca de Família", com uma pitada, aí sim, de surpresa mais ou menos genuína.
O negócio é que ambas as famílias são agraciadas com um prêmio de R$ 25 mil, mas cabe à outra mãe determinar como será gasto esse dinheiro. Nisso está uma espécie de julgamento moral-mercantil, o que, na família alheia, deve ser consertado pelo poder terapêutico do dinheiro, que tem sido o foco maior de discordâncias e desgostos.
Engraçado que, mesmo de mentirinha, a emissora não controla, de fato, como a família vai empregar o prêmio -é essa pegadinha do programa que tem gerado as tensões mais reais.
Na primeira troca, a "ingenuidade" da trapezista itinerante que destinou R$ 10 mil para a faculdade de medicina da filha da família rica e outros tantos para a construção da nova casa, fez cair por terra toda a "simpatia" da perua ("filha, me empresta seus R$ 10 mil para comprar as janelas da casa nova?").
Silvio Santos nunca foi tão profético quando atinou com o nome "Tudo por Dinheiro" para um de seus programas mais repugnantes. Na TV, tudo se faz por dinheiro -e quanto mais de "graça" é o dinheiro, melhor. Tudo bem que, por R$ 25 mil, mulheres enfrentam companheiros machistas, adolescentes insuportáveis, casas sujas e/ou de organização obsessiva.
Parece caro esse dinheiro, mas, no dia-a-dia da vida real, a maioria das pessoas não se submete a chefes mal-humorados, trabalho cansativo, transporte coletivo indigno, por um salário muitas vezes menor?

biabramo.tv@uol.com.br


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