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ENTREVISTA/CHRIS ANDERSON
"Baixar música de graça não é igual a pirataria"
Para editor da "Wired", blockbusters perdem espaço para produtos de nichos variados
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
Sabe aquele livro obscuro, ausente de todas as bibliotecas, que você finalmente encontrou em livrarias virtuais? Aquele disco esgotado em vinil e nunca lançado no formato de CD, que você achou em
sites de download? O filme raro que você não viu em nenhum
festival, que nunca caberia na prateleira da sua locadora, mas
que um fã da Suécia colocou na rede?
Todos são exemplos da influente teoria da cauda longa
do inglês Chris Anderson, 46,
editor-chefe da principal revista de tecnologia do mundo, a
"Wired", e que faz hoje palestra
para empresários em SP.
Em linhas gerais, a teoria diz
que a abundância de oferta na
internet faz com que os consumidores não tenham como única opção os produtos de massa,
como o filme mais vendido, por
exemplo. Com isso, as empresas estão deixando de faturar
alto com poucos hits para vender mais em nichos variados.
Anderson falou com a Folha
de seu celular, em um dos lugares que mais freqüenta, o saguão de um aeroporto -nas
duas semanas antes de vir ao
Brasil, ele passou por 15 cidades para ministrar palestras.
FOLHA - O sr. convidou Gilberto Gil
para um show em Nova York [em
2004] em favor das licenças livres do
Creative Commons. Quais suas relações com o ministro?
CHRIS ANDERSON - A "Wired" organizou aquele show e, como
ele tem uma visão mais progressista do papel do copyright
e do direito de propriedade intelectual na cultura, o convidamos, achamos que ele está no
caminho certo.
FOLHA - O que o sr. achou da experiência da banda Radiohead de lançar um álbum on-line e deixar os fãs decidirem o preço?
ANDERSON - Acho que é um experimento interessante, que
permitiu avaliar um novo modelo de distribuição. A grande
vantagem de distribuir música
on-line é que, com custo zero,
você pode experimentar qualquer preço, até de graça.
FOLHA - Mas isso é lucrativo?
ANDERSON - O Radiohead faz
cerca de 90% de seu lucro com
os shows, eles não estão no negócio de venda de música. Se o
disco alcançar mais pessoas e
atrair mais gente para os
shows, eles lucrarão.
FOLHA - O sr. já baixou um filme ou
uma música ilegalmente?
ANDERSON - É possível que há
uns cinco anos eu tenha baixado alguns MP3 para ver como a
tecnologia funcionava. Hoje
uso um serviço por assinatura
que me dá acesso a todo tipo de
música de graça, então não preciso baixar nada ilegalmente.
FOLHA - O que acha de programas
e sites que permitem a troca e o
download de obras com direito autoral reservado?
ANDERSON - Acho que é um crime sem vítima. É a mesma sensação que tenho sobre a pirataria de softwares: os consumidores não iriam comprar os programas mesmo. Também acho
que a noção de não pagar para
ouvir música não é necessariamente igual à pirataria, a maioria dos artistas disponibiliza
canções de graça, é uma estratégia de marketing voluntária.
FOLHA - Pequenos produtores criticam sua teoria da cauda longa, dizendo que o mercado não ficou mais
fácil para eles.
ANDERSON - É verdade, e meu
livro não nega isso. A maior
parte do dinheiro a ser ganho
em mercados de cauda longa é
por meio de vendas agregadas
feitas pelos donos do mercado.
Os produtores podem ter mais
apelo, triplicar sua base de consumidores, mas três vezes zero
é zero. O negócio é que a maioria dos produtores nos mercados de cauda longa está criando
por outras razões que não só o
dinheiro. Ser um produtor da
cauda longa é, tipicamente, não
produzir por dinheiro.
FOLHA - Sua teoria diz que os hits
não são mais tão populares quanto
antes, mas Hollywood não continua
com a maior parte do faturamento
baseada em poucos sucessos?
ANDERSON - Há poucas indústrias que ainda se baseiam no
sistema de blockbusters. A de
videogames era assim até recentemente, quando os jogos
on-line mudaram o modelo, a
da música também, até o começo desta década. A TV vem experimentando um declínio gradual na audiência do horário nobre no mundo todo à medida
que as pessoas têm mais opções. Hollywood é uma das últimas indústrias de blockbusters, não houve mudanças radicais ainda, apesar de alguns nichos terem emergido. No geral,
o comando de Hollywood sobre
os cinemas não mudou, o modelo de investimento em estrelas e efeitos especiais ainda é
poderoso, e acho que será assim
por um longo tempo.
FOLHA - O sr. diz que o mundo físico é o da escassez, e o da internet, da
abundância. Há um limite para ela?
ANDERSON - A tecnologia está
criando uma abundância infinita de espaço, há lugar para tudo. Tecnicamente, qualquer
coisa pode ter distribuição
mundial, graças à internet. Mas
a atenção das pessoas não é infinita, então aparecer na rede
não garante audiência. A briga à
frente não será por distribuição, mas pela atenção do consumidor, por uma reputação.
FOLHA - O sr. afirma que estamos
entrando em uma economia em
que o cliente tem controle. Mas ouvimos há décadas que "o cliente
tem sempre razão".
ANDERSON - Isso era um lema
bonito, mas não era verdade.
Agora, está virando, porque os
consumidores podem conversar entre si, e confiamos mais
em nossos semelhantes do que
em corporações e outras instituições. Temos tanta possibilidade de sermos ouvidos quanto
as grandes empresas, há uma
virada no jogo de forças na direção do consumidor.
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