São Paulo, sábado, 05 de novembro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Mario Sabino cria calhorda sedutor em 'O Vício do Amor'

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Homem do Subsolo, um dos personagens mais sórdidos de Dostoiévski, deu origem a uma linhagem pequena, mas vigorosa. É a essa família de canalhas que pertence o protagonista do novo romance de Mario Sabino.
O "narrador calhorda" é um desajustado, que expressa abertamente seus desejos, rancores e preconceitos.
A maioria dos leitores abomina protagonistas desse tipo; por isso são tão raros.
Também por esse motivo são tão necessários. Eles não têm pudor em denunciar nosso lado mais abjeto.
O protagonista do romance de Sabino recusa-se a revelar seu verdadeiro nome. Ora ele afirma se chamar Marco Levi. Ora Ranuccio Tomassini. Ora Mario Sabino. Esse Homem de Nome Duvidoso é um jornalista e escritor que odeia a mãe e a maioria das mulheres que tentou amar e perdeu.
Saulo, seu melhor amigo, e Lorenza, sua psicanalista e amante, também não são lá flor que se cheire. O Homem de Nome Duvidoso tem a habilidade de atrair para próximo de si os espíritos mais deformados.

COSMOPOLITA
Para tentar vencer o desinteresse internacional pela literatura brasileira, os editores têm recomendado aos ficcionistas que ambientem suas histórias fora do país. Roma foi a cidade eleita por Mario Sabino para sediar seu romance.
"O Vício do Amor" é um desabafo vingativo contra as pequenas perversões cotidianas. É um relato sobre tudo, menos sobre o amor. Porque o Homem de Nome Duvidoso não sabe o que é isso: o amor genuíno.
Em sua aventura cosmopolita, ele nunca conheceu algo minimamente parecido com esse sentimento. Nem mesmo quando se relaciona com a misteriosa Renata, sua predileta.
É verdade que o narrador calhorda de Sabino não tem a intensidade demoníaca, por exemplo, dos narradores do português António Lobo Antunes ou do austríaco Thomas Bernhard.
Há momentos em que sua manipulação rasa de escritores e filósofos consagrados descamba para a tagarelice pedante.
Também faltou ousadia no desenlace, no verdadeiro vínculo entre Renata e o narrador da história.
Mas, na maior parte de "O Vício do Amor", a ironia e a mordacidade acertam o alvo. O protagonista seduz.
Seu discurso repulsivo torna-se encantador.
Nesses momentos mais envolventes, Sabino aproxima-se de outros ficcionistas da geração 90, como Marcelino Freire, André Sant'Anna e Marcelo Mirisola, competentes criadores de narradores calhordas.

NELSON DE OLIVEIRA é doutor em letras pela USP e autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral)

O VÍCIO DO AMOR
AUTOR Mario Sabino
EDITORA Record
QUANTO R$ 37,90 (272 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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