Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"SOBRE MENINOS E LOBOS"
Clint Eastwood fala sobre política e comenta a recorrência do trauma infantil em seus longas
"A perda da inocência é minha obsessão"
DO "LE MONDE"
Leia a seguir a continuação da
entrevista com Clint Eastwood.
Pergunta - A maneira como Boston aparece no filme, divida ao
meio por um rio, remete a uma
maldição ancestral lançada sobre
os personagens.
Clint Eastwood - Muitas pessoas
em Boston não sabem que existe
um Mystic River. Os verdadeiros
bostonianos o sabem; há todo um
bairro em volta dele que tem o nome de Mystic. Esse nome tem seu
peso e seu simbolismo, e eu tinha
consciência disso. Havia um motivo para rodarmos o filme lá.
Pergunta - Parece que quanto
mais a narrativa avança, mais o longa vai ficando escuro...
Eastwood - A idéia era chegar a
cores não saturadas. Lembro-me de uma projeção na qual eu disse
que as cores de meu filme não poderiam ser semelhantes às de Dorothy e Toto em "O Mágico de
Oz". Eu queria cores frias. Sobretudo, não poderia haver calor.
Pergunta - O cinema com frequência se interessa pela figura do
sádico ou do assassino. Seus filmes
não param de mergulhar na questão da criança traumatizada.
Eastwood - A perda da inocência
é uma obsessão minha. Os violadores em "Sobre Meninos e Lobos", e os culpados pelo assassinato, não importa. Por outro lado, Tim Robbins possui uma vulnerabilidade evidente que me interessa. Ela também tem uma ressonância dramática no filme. Na
sequência final de desfile, percebe-se que o trauma não pára em
Tim Robbins. Seu filho jamais saberá por que o pai desapareceu.
Sua mãe não compreende nada
do que aconteceu, nem com seu
marido, nem com seu filho.
Pergunta - O que significa nesse
momento o gesto do inspetor representado por Kevin Bacon, quando ele fecha o punho como uma arma? É uma imagem muito forte.
Eastwood - E muito ambígua.
Tentei enquadrá-la de maneira a
deixar seu significado aberto. Entende-se que ele se sente culpado
com relação à mulher de Tim
Robbins. Ele não concluiu a investigação a tempo. Seu gesto
também pode ser interpretado
como um aviso a Sean Penn, com
a possibilidade de que a lei seja
aplicada a qualquer momento, ou
como sua concordância com a lei
do silêncio e com uma solidariedade que vem desde a infância.
Pergunta - Tim Robbins e Sean
Penn são diretores, eles próprios.
Isso facilitou seu trabalho?
Eastwood - É uma coisa que eu
aprecio muitíssimo. Um ator que
tem a experiência de dirigir tem
muito mais consciência das responsabilidade de um diretor. Ele
chega sempre na hora. Seu olhar
abrange o filme como um todo.
Em "Sobre Meninos..." isso foi
muito importante, porque é um
filme de equipe, no qual cada ator
precisa ajustar sua atuação para
adequar-se a seus companheiros.
Pergunta - O que você acha da
eleição de Arnold Schwarzenegger
para o governo da Califórnia?
Eastwood - Os políticos precisam tomar decisões impopulares.
Schwarzenegger vai compreender
a natureza de seu trabalho. Eu lhe
desejo boa sorte. Ele vai precisar
-vai ser difícil para ele.
Pergunta - Você foi prefeito de
Carmel, na Califórnia, por um período breve. Por que não levou
adiante sua carreira política?
Eastwood - Eu sabia que estava
no cargo por dois anos e não tinha
vontade nenhuma de me representar. Todo o mundo imaginava
que eu estava no caminho para a
Casa Branca, sobretudo com um
antigo ator, Ronald Reagan, no
poder. Mas eu gosto demais do cinema para continuar na política.
Tradução Clara Allain
Texto Anterior: Maldição de infância Próximo Texto: Crítica: Eastwood trata a culpa como moeda de troca Índice
|