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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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"SOBRE MENINOS E LOBOS"

Clint Eastwood fala sobre política e comenta a recorrência do trauma infantil em seus longas

"A perda da inocência é minha obsessão"

DO "LE MONDE"

Leia a seguir a continuação da entrevista com Clint Eastwood.
 
Pergunta - A maneira como Boston aparece no filme, divida ao meio por um rio, remete a uma maldição ancestral lançada sobre os personagens.
Clint Eastwood -
Muitas pessoas em Boston não sabem que existe um Mystic River. Os verdadeiros bostonianos o sabem; há todo um bairro em volta dele que tem o nome de Mystic. Esse nome tem seu peso e seu simbolismo, e eu tinha consciência disso. Havia um motivo para rodarmos o filme lá.

Pergunta - Parece que quanto mais a narrativa avança, mais o longa vai ficando escuro...
Eastwood -
A idéia era chegar a cores não saturadas. Lembro-me de uma projeção na qual eu disse que as cores de meu filme não poderiam ser semelhantes às de Dorothy e Toto em "O Mágico de Oz". Eu queria cores frias. Sobretudo, não poderia haver calor.

Pergunta - O cinema com frequência se interessa pela figura do sádico ou do assassino. Seus filmes não param de mergulhar na questão da criança traumatizada.
Eastwood -
A perda da inocência é uma obsessão minha. Os violadores em "Sobre Meninos e Lobos", e os culpados pelo assassinato, não importa. Por outro lado, Tim Robbins possui uma vulnerabilidade evidente que me interessa. Ela também tem uma ressonância dramática no filme. Na sequência final de desfile, percebe-se que o trauma não pára em Tim Robbins. Seu filho jamais saberá por que o pai desapareceu. Sua mãe não compreende nada do que aconteceu, nem com seu marido, nem com seu filho.

Pergunta - O que significa nesse momento o gesto do inspetor representado por Kevin Bacon, quando ele fecha o punho como uma arma? É uma imagem muito forte.
Eastwood -
E muito ambígua. Tentei enquadrá-la de maneira a deixar seu significado aberto. Entende-se que ele se sente culpado com relação à mulher de Tim Robbins. Ele não concluiu a investigação a tempo. Seu gesto também pode ser interpretado como um aviso a Sean Penn, com a possibilidade de que a lei seja aplicada a qualquer momento, ou como sua concordância com a lei do silêncio e com uma solidariedade que vem desde a infância.

Pergunta - Tim Robbins e Sean Penn são diretores, eles próprios. Isso facilitou seu trabalho?
Eastwood -
É uma coisa que eu aprecio muitíssimo. Um ator que tem a experiência de dirigir tem muito mais consciência das responsabilidade de um diretor. Ele chega sempre na hora. Seu olhar abrange o filme como um todo. Em "Sobre Meninos..." isso foi muito importante, porque é um filme de equipe, no qual cada ator precisa ajustar sua atuação para adequar-se a seus companheiros.

Pergunta - O que você acha da eleição de Arnold Schwarzenegger para o governo da Califórnia?
Eastwood -
Os políticos precisam tomar decisões impopulares. Schwarzenegger vai compreender a natureza de seu trabalho. Eu lhe desejo boa sorte. Ele vai precisar -vai ser difícil para ele.

Pergunta - Você foi prefeito de Carmel, na Califórnia, por um período breve. Por que não levou adiante sua carreira política?
Eastwood -
Eu sabia que estava no cargo por dois anos e não tinha vontade nenhuma de me representar. Todo o mundo imaginava que eu estava no caminho para a Casa Branca, sobretudo com um antigo ator, Ronald Reagan, no poder. Mas eu gosto demais do cinema para continuar na política.


Tradução Clara Allain

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