São Paulo, quarta-feira, 05 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA - MICHEL HOUELLEBECQ

"Direita religiosa é apenas hipócrita"

Escritor critica religiões, mas diz que já está ficando cansado de polêmicas

Jefferson Bernardes/Folha Imagem
O escritor francês, que está em Porto Alegre; autor tinha participação no seminário Fronteiras do Pensamento prevista para ontem

MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

"Ser polêmico só traz problemas, estou cansado..." Com ar angustiado e resignado, o maior escritor francês da atualidade, que renovou a literatura francesa na última década, responde sobre a fama que cerca o seu nome. Uma das últimas brigas de Michel Houellebecq envolveu o islamismo ("É a religião mais estúpida"), levou a um processo e a seu afastamento da França.

Em Porto Alegre para participar do seminário Fronteiras do Pensamento, do Copesul Cultural, Houellebecq disse à Folha que está morando na Irlanda. Mas ele também é famoso por dar pistas falsas sobre a sua biografia.
Houellebecq faz muito barulho quando lança seus livros. O último, "A Possibilidade de uma Ilha" (Record), uma ficção científica que envolve clonagem em um mundo pós-apocalíptico, vendeu mais de 300 mil exemplares na França desde 2005. Já lançado no Brasil, acaba de virar filme dirigido pelo próprio escritor, em fase de acabamento (alguns trechos podem ser acompanhados em www.lapossibiliteduneile-lefilm.com).
"Partículas Elementares", de 1998, que mostra a relação entre dois meio-irmãos e faz uma crítica ácida ao movimento hippie, foi adaptado pelo alemão Oskar Roehler, em filme que deve estrear no Rio e em São Paulo, em seis salas, no dia 11 de janeiro, e está sendo reeditado pela editora Sulina (296 págs., R$ 45, tradução de Juremir Machado Silva).
Um aviso: Houellebecq não gostou dessa adaptação. Ele não vê problemas com as omissões de partes do livro, mas acha que o roteiro deixou incompreensível o personagem-cientista e sua teoria, que é de alguma forma uma antecipação à clonagem humana.
Se não bastassem os ataques a personalidades públicas (uma de suas narrativas na coletânea "Rester Vivant/Permanecer Vivo" é intitulada "Jacques Prévert é um estúpido"), o autor chegou a ser considerado premonitório ao prever um ataque terrorista muçulmano em "Plataforma" (Record), de 2001, romance que faz um relato frio e racional das possibilidades do turismo sexual em vários países.
O outro romance de idéias do autor lançado no Brasil é "Extensão do Domínio da Luta" (ed. Sulina, 1994), a obra que levou reconhecimento literário ao ex-engenheiro agrônomo e ex-profissional de informática.
É a segunda viagem do escritor ao Brasil, que já foi tema de uma famosa passagem de "Partículas Elementares", também aproveitada no filme: "[...] O Brasil era um país de merda, cheio de brutos fanáticos por futebol e por corridas de carros. A violência, a corrupção e a miséria estavam no seu auge. Se havia um país detestável era justamente, e bem especificamente, o Brasil".
Nada contra o país, diz agora Houellebecq. "Meu personagem [Bruno] se coloca contra os brasileiros porque está a fim das brasileiras. O Brasil em si já representa um estereótipo forte, isso não é ruim. Há muitos países que não têm nenhum estereótipo. Já é alguma coisa. A imagem brasileira é muito positiva...", afirma.

"Realista"
Com uma obra irônica e iconoclasta, Houellebecq não se considera niilista nem pessimista, mas "realista". Inspirou-se na seita dos raelianos para "A Possibilidade de uma Ilha" porque ela se baseava na ciência. E a religião? "O triunfo da ciência em relação à religião me parece certo. Eu não acredito em nada, mas as pessoas que crêem em algo são mais felizes. Não há mais espaço para a religião. Isso está claro em geral."
E sobre a ascensão da direita religiosa nos EUA? "Eu não acho que acreditam em Deus. São hipócritas, apenas."
Uma fonte de inspiração para o filme e o livro é a literatura de ficção científica. Já escreveu uma biografia de H.P. Lovecraft ("Contra o Mundo, contra a Vida"), elogiada por Stephen King. "Faz parte da minha cultura", diz. "Essa literatura popular eu li na minha juventude e isso me influenciou. Li tudo de ficção científica, inclusive Philip K. Dick. Todos os autores conhecidos. A época mais brilhante foi nos anos 50 e 60, um pouco como a música."
Outro tema recorrente de Houllebecq é o sexo. Já o compararam aos libertinos e a Sade? "Sim, já fizeram essa relação, mas em geral para me mostrar como uma pessoa hostil. A pornografia é muito comum na França. Há uma literatura pornográfica muito rica no país. A diferença é que antes escreviam a pornografia paralelamente à obra. Mas eu não acho que escreva pornografia."
Citando a última Feira do Livro de Frankfurt, Houellebecq diz que há uma tendência para a literatura que ajuda as pessoas. "Eu claramente não faço isso. É curioso. Existem vários livros que ensinam as pessoas a se sentirem melhores, com regras práticas. Isso é uma tendência, eu mesmo pude constatar", diz.
Houellebecq nega que a experiência com cinema seja uma reação à frustração com "Partículas Elementares". "Na França, é normal um escritor filmar. É uma coisa mais ou menos específica do país, é muito freqüente. Há vários exemplos. Recentemente, por exemplo, o Eric Emmanuel Schmitt e Bernard Werber." O autor, que também estudou cinema, gostou da experiência, que envolveu sete semanas de filmagem na Espanha e no Canadá. "Trabalhar com a equipe foi agradável, o difícil é lidar com os produtores...", diz.

Poético x histriônico
O tom poético e lírico do filme, em contraste com a verve histriônica, direta e provocativa dos primeiros livros, já apareceu delineado em seu último livro. "Essa tentativa de passar a uma dimensão poética eu tentei em todos os meus livros, mas em "A Possibilidade de uma Ilha" fui mais bem-sucedido. Tem menos brutalidade em relação a "Extensão do Domínio da Luta", por exemplo".
Os pensamentos do autor parecem distantes. Sua linha de raciocínio parece se perder e os longos silêncios são interrompidos por insights. "Meu papel é o do destruidor de ilusões", diz, repentinamente.
Ele concorda que voltar-se para um conteúdo poético pode ser uma resposta às polêmicas. "É uma situação bizarra porque sou um homem velho, já escrevi muitos livros e a polêmica não diminuiu em relação a mim. A próxima vez que eu lançar um livro será o mesmo problema na França. As coisas não se acalmaram."
Isso afeta seu trabalho? "É necessário fazer um esforço para não ser afetado. É preciso um trabalho psicológico. E eu tenho uma tendência à misantropia. Ficar só é fácil, não traz problemas. Não é uma tendência encorajadora, é um defeito. Eu me esforço para ser sociável, mas não é natural."


O jornalista MARCOS STRECKER viajou a convite da organização do evento

Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.