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JOÃO PEREIRA COUTINHO
A definição do amor
A dor que sentimos pelas
pessoas que amamos faz parte
da felicidade que tivemos.
Ambas são condição de ambas
CONHECI C.S. Lewis aos 9 anos.
É a idade certa para conhecer
Lewis, de preferência se estivermos numa cama de hospital. As
noites são longas, as noites são solitárias. Mas quando o livro é "O Leão,
a Feiticeira e o Guarda-Roupa", a
única coisa a lamentar são as chegadas das manhãs.
Conhecem a história? Não falo do
livro, falo de Lewis. O livro é conhecido: Edmund, Lucy, Peter e Susan
descobrem certo dia que o fundo de
um velho guarda-roupa não é o fundo de um velho guarda-roupa. É passagem para um outro mundo. Narnia, eis o nome desse mundo, e em
Narnia me perdi com eles aos 9, aos
10, aos 11.
Só mais tarde descobri a vida do
autor: Clive Staples Lewis, nascido
em Belfast, educado em Oxford,
professor de literatura medieval e
renascentista. Amigo de Tolkien.
Pregador cristão, depois de uma
conversão ao catolicismo (sim, como Graham Greene ou Evelyn
Waugh), experiência epifânica que
ele conta em "Surprised by Joy".
Morte em 1963.
Mas a história de Lewis não acaba
aqui. A verdadeira história aconteceu nos últimos anos de vida, quando o celibatário escritor foi surpreendido por uma outra "Joy", não
em espírito mas em carne e osso.
Joy Gresham, uma leitora americana, cruza o Atlântico para fugir de
um casamento arruinado. Traz o filho, que traz os livros para Lewis assinar. Conhecem-se. Tornam-se
amigos. E casam por conveniência:
Joy necessita da cidadania britânica
para ficar no país, Lewis acede ao pedido. Tudo em segredo. Subitamente, Joy adoece. Grave, gravemente.
Lewis sabe que a vai perder. E nessa
certeza sabe também, pela primeira
vez, que está profundamente apaixonado por ela. Casam novamente.
Desta vez, aos olhos de Deus e dos
outros. Joy parte pouco depois.
Essa história de amor tardio subiu
aos palcos de Londres e estará em
cena até 15 de dezembro. Se passarem pela cidade, não hesitem: Charles Dance (Lewis) e Janie Dee (Joy)
retomam "Shadowlands", a notável
peça de William Nicholson que Anthony Hopkins e Debra Winger já
ofereceram em filme homônimo.
Existem diferenças, claro. A peça
tem o humor anárquico que o filme
ignora, ou desconhece. O filme tem
o dramatismo sóbrio que só os grandes planos permitem. Mas no palco
ou na tela, a trágica ironia de Lewis é
a mesma: a ironia de um pregador
que disserta teoricamente sobre a
importância salvífica do sofrimento;
até o dia em que a teoria regressa para o testar com a mais brutal das experiências humanas. E com uma
pergunta simples mas fundamental:
por que amar se perder dói tanto?
A resposta, a única possível, é dada
por Joy na peça, quando a morte assombra um breve momento de intimidade terrena. "A felicidade de
agora será parte da dor de então".
Precisamente. E eu, mudo e parado na platéia do Wyndham's Theatre, sorrio por dentro e agradeço novamente. Na infância, Lewis oferece
o encantamento de um outro mundo; na idade adulta, oferece a única
certeza deste. A dor que sentimos
pelas pessoas que amamos faz parte
da felicidade que tivemos. Porque
ambas são a condição de ambas.
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