São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2008

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Crítica

Philippe Garrel faz reencontro com o fantástico do cinema clássico francês

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Com nome de filme de guerra, "A Fronteira da Alvorada" promete ser mais um filme de guerra do que outra coisa. Mas não é bem isso. A expressão a reter, no caso, é fronteira: aquilo que aproxima e separa a noite do dia, a realidade da imaginação.
Philippe Garrel tem uma maneira às vezes estranha de promover esse tipo de aproximação. Em "Os Amantes Constantes", ele retomava 1968 como se buscasse não uma representação de eventos, mas entrar em 68. Em "Fronteira", há dois tempos representados pelas mulheres na vida do belo fotógrafo François (Louis Garrel): Carole (Laura Smet), a tempestuosa atriz de cinema por quem ele se apaixona, e a plácida Eve (Clémetine Poidatz), mais ou menos o negativo de Carole.
À sucessão das mulheres corresponde a outro desenvolvimento na linha do tempo: o filme, em branco-e-preto, reencontra o fantástico do cinema clássico francês. Mas Garrel não é um imitador nem propriamente um nostálgico. Seu trabalho com os ritmos é muito particular, embora não apaixonante: ele pode deter-se calorosamente na natureza das relações entre François e Carole para em seguida, de maneira quase repentina, notar o deslocamento do afeto do rapaz. Durante uma das ausências de Carole, é que Eve aparece.
Daí à ruptura é um passo. O que parecia um filme sobre Carole, desloca-se de repente. Pouco depois começamos a ver François às voltas com um novo e bem diferente amor.

Tempo interrompido
No entanto, é nesse instante que Garrel parece questionar a sucessão temporal. É como se, para ele, um amor não sucedesse a outro. E um evento que viesse depois do outro não tivesse o direito de relegar o anterior ao passado. É como se o amor de Carole, reivindicando seus direitos, retornasse na forma de pesadelo: o de um tempo que não passa, interrompido.
Como isso acontece não é possível dizer: é, de certa forma, o que faz o encanto de um filme que vive antes de mais nada de seu encanto e da precisão da mise-en-scène, que podem eventualmente gerar uma obra-prima como "Amantes Constantes". "A Fronteira da Alvorada" fica um pouco abaixo, embora repita a notável fotografia de William Lubitchanksky. Com toda sua beleza, este filme não nos faz esquecer de que quase todo o cinema francês (excluídos os cineastas de origem árabe) debate-se num mundo que parece esgotado, fechado a questões urgentes por falta de questões urgentes.
Mas isso já é outra história.


A FRONTEIRA DA ALVORADA
Direção:
Philippe Garrel
Produção: França, 2008
Com: Louis Garrel, Laura Smet
Onde: Frei Caneca Unibanco Arteplex e Reserva Cultural
Classificação: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom



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