São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2010

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Séries e novelas "importam" dramaturgos

Mercado aquecido por investimentos da Record e de canais pagos busca fluência de diálogos de autores teatrais

"O teatro permite certas referências, piadas; na TV, não tem isso", diz Sérgio Roveri, que fez série com Denise Fraga

LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

O dramaturgo Camilo Pellegrini, 33, não podia nem ouvir falar em TV ao chegar ao Rio, vindo de Brasília. Em suas peças, desancava o veículo. Nas coxias, praguejava contra o descompromisso de colegas que trocavam ensaios por testes televisivos.
Em 2005, entretanto, ao ser sondado pela Record, não hesitou. "Passei perrengues no teatro. Sobrevivia fazendo filipeta, participações como ator, luz em peça de amigo."
Estranhou as jornadas de dez horas pregado à cadeira, o peso dos horários e da disciplina, a distância da "coisa meio boêmia" do teatro. "Mas, depois, comecei a ver prazer em entrar na casa das pessoas, ainda que com uma linguagem mais leve."
Juntos, os dois atos ilustram um movimento cada vez mais recorrente de dramaturgos em direção à TV. O investimento da Record em dramaturgia e as apostas de canais como Multishow, MTV e Futura em programas de humor, atrações "teen" e séries aqueceram a "importação" de escribas teatrais.
A fluência de seus diálogos, com ecos de "Seinfeld", "Friends" e "Monty Python", é a grande cartada. "É uma turma virgem de TV, com um olhar menos formatado, que imprime aos programas dinamismo e uma possibilidade de improviso, porque traz essa habilidade teatral de sentir a reação da plateia e mudar", avalia Tatiana Costa, gerente de programação e novas mídias do Multishow.

RIO
O trânsito de autores entre palco e tela vem dos anos 60, na carona de Dias Gomes e Lauro César Muniz. Nos anos 80, Alcides Nogueira visita a TV, uma década antes de Maria Adelaide Amaral. Recentemente, João Falcão e Bosco Brasil cruzaram a divisa.
Agora, é sobretudo o teatro do Rio que empresta profissionais à televisão, por causa da concentração, na cidade, de estúdios de teledramaturgia e produtoras que vendem conteúdo para canais pagos. Mas escritores paulistas como Sérgio Roveri, 50, também se aventuram.
Em 2009, ele foi um dos roteiristas de "Norma" (Globo), com Denise Fraga. Hoje, desenvolve outro seriado:
"Você precisa entender que aquilo vai ser visto por muita gente, de vários estratos e formações. Não escreve para os seus", diz ele. "O teatro permite certas referências, piadas internas, construções. Na TV, não tem isso. O desafio é não deixar de lado a ambição, conseguir servir isso a um público maior."
Roveri afirma também ter aprendido a ser mais cauteloso com os rumos do enredo: "Não acaba em uma hora, 1h30, como uma peça. Posso limitar um personagem daqui a três episódios dependendo do que fizer com ele agora".
E precisou se virar para resolver cenas com imagens em lugar de palavras. "Nos primeiros episódios, cheguei com filme iraniano, e era uma corrida de F-1", brinca.
Para Leandro Muniz, 32, que fez carreira no teatro carioca antes de se juntar ao time de roteiristas da série "Junto e Misturado" (Globo), a chave para a "aclimatação" é "ter um certo desapego, saber abrir mão de boas ideias em prol de outras melhores".
Doses reforçadas de objetividade também vêm a calhar. "No teatro, posso passar dez minutos sem entender direito o que se passa; na TV, o tema tem de estar claro em quatro falas, no máximo."
O palco, observa Roveri, é "mais generoso" com respostas indiretas, tempos dilatados. "Não há esta ameaça constante de troca de canal. É mais liberto de pressões, mais dono do próprio nariz."
A televisão, em contrapartida, tem mais poder de fogo para fazer ideias saírem do papel. "A produção dá conta de uma cena de astronauta", deleita-se Muniz.
Faz coro Rodrigo Nogueira, 31, autor da peça "tempo. Depois", chamado a colaborar em novela da Record e que depois emplacou uma novela adolescente no Multishow. "Pensei numa cena com um avião como o de "Casablanca" e, duas semanas depois, ela era gravada."
Depois da experiência na TV, ele mudou o fim de sua peça "Play". "Vi que precisava dar mais ferramentas, concretude ao público. Não larguei meu jeito de escrever, continuo a deixar significados em aberto e a misturar realidade e ficção. Só alterei a forma de apresentar isso."


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