São Paulo, sábado, 5 de dezembro de 1998

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LIVRO - LANÇAMENTO
Cabral de Mello discute Brasil como negócio

Dada Cardoso/Folha Imagem
O historiador Evaldo Cabral de Mello


RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

As livrarias do país estão recebendo agora mais um livro do historiador Evaldo Cabral de Mello, "O Negócio do Brasil - Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641 - 1669" (Topbooks, Rio de Janeiro, 1998, 273 páginas).
Seria difícil achar um momento mais crucial na história luso-brasileira. A existência atual dos dois países independentes foi decidida no período analisado pelo historiador. Em 1640, Portugal tinha se declarado independente da Espanha, com a qual estava ligado desde 1580. O Brasil, de 1630 a 1654, tivera a maior parte do Nordeste sob ocupação holandesa.
Para que a unidade territorial e a soberania dos dois países continuasse, foi preciso muita diplomacia, guerra e mesmo sorte -no sentido de saber se aproveitar das oportunidades surgidas no contexto internacional.
Portugal poderia ter virado uma Catalunha ou Escócia -uma nação incorporada como sócio menor de outra maior, respectivamente Castela e Inglaterra, dos conjuntos conhecidos como Espanha e Reino Unido.
E o Brasil poderia ser hoje bem menor, o Nordeste ser uma espécie de África do Sul com minorias brancas de origem holandesa e portuguesa em meio aos negros descendentes dos escravos.
O livro de Evaldo Cabral de Mello explica o porquê. O autor concedeu essa entrevista, em seu apartamento no Rio de Janeiro, algumas semanas antes de o livro estar nas livrarias.

Folha - Do que trata o novo livro?
Evaldo Cabral de Mello -
É um livro sobre as negociações entre Portugal e a Holanda relativas ao Nordeste, entre 1641 e 1661, quando se assinou um tratado pelo qual Portugal indenizou a Holanda pela perda do Nordeste.
Essa indenização se fez de duas formas. Portugal cedeu, sem dizer que estava cedendo, duas feitorias na Índia, Cochim e Cananor, que eram das primeiras que tinham sido ocupadas por Vasco da Gama, e se comprometeu em fornecer o restante da indenização de 4 milhões, 2,5 milhões de cruzados, em sal de Setúbal. Era um sal muito importante para a indústria holandesa, para a salga do arenque.
O sal de Setúbal tinha uma composição química que era considerada superior a todos os outros sais europeus para a salga do arenque. E 1,5 milhão de cruzados por conta das duas feitorias da Índia. Isso demorou de 1670 até começos do século 18.
No começo do século 18 o tratado que Portugal fez com a Holanda e com a Inglaterra contra a França de Luís 14 ainda previa a satisfação por Portugal de alguns compromissos que tinha assumido 40 anos atrás.
Folha - Naquela época, assim como hoje, já era difícil ser um pequeno país. Portugal teve de aceitar condições humilhantes...
Cabral de Mello -
Não, é engraçado, Portugal se safou bastante bem. Ele soube se aproveitar muito bem da conjuntura internacional. Portugal se aproveitou da rivalidade anglo-holandesa, que era o principal conflito econômico na Europa da época, para restaurar o Recife. Se não tivesse havido a primeira guerra anglo-holandesa, Portugal provavelmente não teria se aventurado a atacar diretamente e sitiar o Recife. Só fez isso porque, devido à guerra no mar do Norte, a Holanda não estava em condições de reforçar a defesa do Nordeste, ou de retaliar contra a Bahia.
Folha- Mas nos anos 1660 Portugal estava em guerra com a Espanha, a França tinha lavado as mãos, e a Holanda era uma potência naval...
Cabral de Mello -
... que estava ameaçando. Mas ela fez o acordo de 1661, a aliança inglesa. Os Stuart tinham sido restaurados no trono inglês. Essa aliança inglesa é importante, porque ela culmina 21 anos para Portugal de esforço diplomático para arranjar uma aliança na Europa que a preservasse da Espanha.
Ele se separou da Espanha e precisava de alguém que o ajudasse. O candidato óbvio era a França, que ajudou o quanto pôde. Mas nunca fez uma aliança formal, porque a França não queria comprometer a possibilidade de uma paz com a Espanha. Quando a França fez finalmente a paz com a Espanha em 1659, Portugal estava teoricamente no mato sem cachorro. A Holanda estava contra ela porque queria o Brasil; a Inglaterra estava em um período de transição depois da morte de Cromwell e a subida de Carlos 2º. Portugal teve uma sorte danada. Carlos 2º foi restaurado e, por pressão francesa, fez um casamento, a aliança de 1661.
Portugal cedia um dote de dois milhões de cruzados -e é por isso que não pôde pagar os holandeses-, cedia Tânger e Bombaim, e em compensação a Inglaterra se comprometia a manter permanentemente nos meses de verão e primavera uma armada no litoral português que defendesse Portugal de qualquer ataque espanhol e, sobretudo, que policiasse as comunicações marítimas com o Brasil.
Foi essa aliança inglesa que permitiu a Portugal se safar. Foi a Inglaterra que arrancou da Espanha o reconhecimento da independência portuguesa.
Folha - Além de ganhar dinheiro, Tânger e Bombaim, qual o interesse inglês nesse tratado?
Cabral de Mello -
Em primeiro lugar, o interesse dinástico. O rei Carlos 2º estava arruinado, a Inglaterra estava em péssima situação financeira. E o dinheiro português, que demorou a ser pago, mas cuja primeira prestação foi de um milhão de cruzados, aliviou um pouco os problemas financeiros de Carlos 2º. Tanto que ele também teve de ser ajudado por Luís 14 debaixo do pano, que ajudou Carlos 2º a não abandonar Portugal.
Ele precisava de dinheiro porque era um príncipe recém-chegado ao trono, depois de um interregno republicano. Carlos 2º precisava de dinheiro para consolidar a monarquia. Seu segundo interesse era o comércio inglês com o Brasil. Desde a guerra holandesa os portugueses vinham crescentemente fretando navios ingleses para usar na navegação do Brasil. E esse era um dos grandes pomos de discórdia entre a Inglaterra e a Holanda.
Os ingleses já estavam muito engajados no comércio do Brasil, inclusive no contrabando. Pela legislação portuguesa, os estrangeiros não podiam comerciar diretamente com o Brasil, só podiam por meio de Portugal.
A Inglaterra tinha interesse sobre esse aspecto na aliança para consolidar o comércio. Tanto que, quando Carlos 2º chegou ao trono, a praça de Londres apresentou um memorial assinado por 200 dos principais comerciantes afirmando que a paz com Portugal era mais importante que a com a Espanha.
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Livro: O Negócio do Brasil - Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641 - 1669 Autor: Evaldo Cabral de Mello Lançamento: Topbooks Quanto: R$ 33 (273 págs.)



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