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O ministro Gilberto Gil ignora crítica de Caetano Veloso, reage à polêmica com Ferreira Gullar e diz que não cede à pressão para entregar a cabeça do secretário de Políticas Culturais
Barraco na cultura
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O ministro Gilberto Gil tem nas
mãos um pedido de degola de seu
secretário de Políticas Culturais
no Ministério da Cultura, Sérgio
Sá Leitão. E também outro pedido, para que Sá Leitão fique.
Gilberto Gil está sob fogo cruzado. Caetano Veloso, Oscar Niemeyer, Fernanda Montenegro,
João Ubaldo Ribeiro estão entre
as assinaturas do texto contra Sá
Leitão. O manifesto foi organizado pelo cineasta Zelito Viana e pelo produtor Luiz Carlos Barreto,
com a intenção de obter de Gil e
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva a cabeça do secretário.
Ontem, em carta aberta publicada pela coluna de Mônica Bergamo, na Ilustrada, Caetano atacou Sá Leitão e o comportamento
do MinC, afirmando que, quando
um ministério "exige adesão total
às suas decisões, estamos a um
passo do totalitarismo".
Caetano defendeu Gullar e cineastas que foram chamados de
privilegiados pelo secretário. Na
carta, o parceiro de Gil refere-se
de maneira crítica ao projeto (que
acabou arquivado) da Ancinav
(Agência Nacional do Cinema e
do Audiovisual), visto por setores
da produção de cinema e da TV
como autoritário e centralizador.
Do lado dos que defendem Sá
Leitão, os nomes mais conhecidos
são os da professora de cinema
Ivana Bentes e o do cineasta Joel
Zito Araújo, que apoiavam a criação da Ancinav.
As outras 184 assinaturas no documento em favor do secretário e
da "radicalização democrática
das políticas culturais" não têm
relevo nacional -e esse é um ingrediente da disputa. "Quanto
mais a pequena elite grita, mais fica patente que as políticas públicas do governo são efetivamente
democratizantes", diz Bentes.
O ministro enfrentou o tiroteio
ontem. "Não li", disse, a respeito
da carta de Caetano. Mas afirmou
que, "se querem a cabeça de Sá
Leitão, não vão ter". Gil estava no
Rio de Janeiro, acompanhado de
Sá Leitão, para divulgar a Copa da
Cultura, que o MinC promoverá
na Alemanha, em paralelo ao
Mundial de futebol.
A origem do bafafá foi a crítica
que o poeta e colunista da Folha
Ferreira Gullar fez à "centralização" da gestão Gil no MinC (Ministério da Cultura), durante Sabatina Folha, no último dia 21. Sá
Leitão revidou em carta à Folha,
classificando o poeta de "stalinista", referência ao regime totalitário do ditador soviético Josef Stalin (1879-1953) -e o barraco começou (leia quadro abaixo).
Para Sá Leitão, o "objetivo da
celeuma" não é propriamente defender Gullar, mas preservar canais de acesso aos cofres do governo no financiamento do cinema e de outras obras culturais.
Gil modificou em sua gestão as
regras de patrocínio das empresas
estatais, visando a distribuir o dinheiro entre mais projetos e mais
Estados do país.
No MinC, essa política é chamada de "descentralização" e encarada como "o fim do balcão" de
atendimento especial para pedidos de patrocínio apresentados
por artistas consagrados.
"Essas pessoas não se conformam com regras republicanas e
tratamento democrático, porque
agora elas são tratadas como todos os outros produtores culturais deste país", diz Sá Leitão.
O secretário afirma que Barreto
atribui a ele a responsabilidade
por não ter vencido os últimos
concursos de patrocínio da Petrobras (maior investidora em cinema do país) e do BNDES, cujas regras de seleção também mudaram. A Folha tentou ouvir Barreto, que preferiu não se manifestar.
O debate do MinC com Gullar
reacende as duas maiores polêmicas que Gil enfrentou no ministério. Na primeira, a do "dirigismo
cultural", o cineasta Cacá Diegues
esteve ao seu lado. Na segunda,
sobre a Ancinav, não. Agora, Diegues está contra Sá Leitão:
"É inadmissível que um servidor público se dirija a um cidadão
brasileiro nos termos em que esse
rapaz se dirigiu. Ainda mais se
tratando de um brasileiro como
Ferreira Gullar. O ministro Gil
sempre responde às críticas que
recebe, justas ou injustas, de um
modo cortês e altivo. Não há razão nenhuma para que um assessor seu seja tão grosseiro", diz.
Foi Diegues quem classificou
como tentativa de "dirigismo cultural" as regras de patrocínio estatal formuladas pela Secretaria de
Comunicação, em 2003 (à época
sob comando de Luiz Gushiken).
Previam contrapartida social e
adequação dos projetos a políticas de governo.
Gil discordava de Gushiken e,
com a gritaria dos cineastas, venceu a queda-de-braço e recebeu
de Lula a missão de formular as
políticas de patrocínio do governo. Em 2004, Gil quis dar um passo além, com a criação da Ancinav, que teria a função de regular
os setores de TV e cinema.
Acusada de autoritária por Barreto, Diegues e outros representantes do cinema e da TV, a proposta foi abortada pelo governo,
na maior derrota de Gil até aqui.
Mas as marcas do debate estão
longe de cicatrizar. "Barreto e Zelito encabeçaram o debate contra
a Ancinav nos mesmos termos
que estão fazendo agora", diz
Bentes.
O cineasta Domingos Oliveira
delineia a questão incômoda à esquerda e à direita. "É incrível o governo não ter se levantado contra
o cinema sustentado pelas leis de
renúncia fiscal. Isso inflacionou o
mercado de modo artificial, porque o dinheiro não custa nada para ninguém e divorciou o cinema
do público, porque não importa a
bilheteria do filme, mas quanto
ele capta."
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